segunda-feira, 21 de abril de 2014

Em Busca da Política / Post Scriptum sobre Insignificância


BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000


Não iremos muito longe sem trazer de volta do exílio idéias como a de homem público,
da boa sociedade, da igualdade, da justiça e assim por diante - idéias que não fazem sentido senão cuidadas e cultivadas na companhia dos outros.
(Baumann, 2002, 16)

A ideia principal da obra Em Busca da Política é a de que a pós modernidade trouxe profundas mudanças no modo como vivem e se relacionam as pessoas, a individualidade se sobrepôs de ­forma implacável sobre o coletivo disseminando a discórdia e as penúrias e os sofrimentos contemporâneos estão fragmentados, dispersos e espalhados.
Não existe um centro, um núcleo, onde discussões a nível coletivo possam auxiliar na resolução de causas comuns, e o discurso neoliberal se apresenta como aquele quase impossível de combater.
Duas idéias fundamentais se destacam na obra: a de que a liberdade individual só pode ser produto do trabalho coletivo e a de que a identidade não é herdada. É preciso construí-la.
Na introdução, Bauman analisa algumas crenças contraditórias que perpassam boa parte da sociedade ocidental hoje, lembrando que as crenças não precisam ser coerentes para que acreditemos nelas, e destaca duas delas para tentar lançar uma nova luz sobre a perda de legitimidade que atinge crescentemente a ação política.
A primeira, diz respeito a questão da liberdade, a qual entendemos que está concluída, não necessitando, portanto, de irmos para a rua protestarmos por maior liberdade do que a que já temos. A segunda, nos faz pensar que pouco ou nada podemos mudar da realidade que aí está.
Segundo o autor, podemos fazer usos distintos desta realidade posta, que foram  definidos como uso cínico e uso clínico. No primeiro, tende-se a aceitar o mundo tal qual é, visando tirar dele o máximo de vantagem; já, saber utilizado de forma clínica nos ajuda a combater o que vemos de impróprio, perigoso ou ofensivo à moralidade.
O autor destaca ainda na introdução, problemas que dificultam transformações na sociedade e concorrem para a manutenção da ordem que aí está. Dentre estas, cita o conformismo generalizado, a falta de coragem, ações descentralizadas, envolvimento com tarefas que não possibilitam o exercício da reflexão e do questionamento, privatização da utopia e preocupação excessiva e fragmentada com problemas pessoais de modo que se torna difícil agrupá-los e condensá-los numa força política.
No primeiro capítulo, Bauman trata dos problemas que perturbam os instrumentos de ação política. Dentre estes destaca o medo, a frustração, a inconsistência da amizade e da solidariedade, disseminação da discórdia, a desconfiança e a hostilidade mútuas, não sacrifício da liberdade individual, perda da autoconfiança, ansiedade, insegurança, desesperança, apatia, agressividade, desinteresse por tudo que tenha caráter político, gerando deslocamento e exclusão (dada a multiplicidade de papeis que assumimos).
Sobre o liberalismo e a livre concorrência o autor afirma: “Os postulados da transparência e flexibilidade referem-se ao controle exercido pelos poderosos de imperar sobre as condições em que os outros, menos autoconfiantes, são forçados a escolher entre o modesto conjunto de opções que lhes resta ou submeter-se ao destino que lhes toca quando não há mais qualquer opção”. (p. 34)
Neste capítulo, o autor discute também a falta de causas comuns e de relevância entre as pessoas, enfatizando que o individualismo a que são conduzidas, leva cada um a defender seus próprios interesses, o que conduz inevitavelmente a um sentimento de insegurança existencial humana. “Os medos que cada um sente só podem ser contados, mas não compartilhados ou unidos numa causa comum com a qualidade nova da ação conjunta. Não há um caminho óbvio que leve dos terrores privatizados às causas comuns que podem se beneficiar do confronto e enfrentamento conjunto.” (p.54)
Há um esfriamento generalizado das relações humanas, insegurança e medo.         
A diminuição do poder do Estado faz com que as nações não se sintam seguras no abrigo que outrora foi a soberania política. “A soberania anda de muletas – coxa e vacilante. As autoridades do Estado nem mesmo fingem que são capazes ou desejam garantir a segurança dos que estão sob sua responsabilidade” (p. 47)
O sentido da vida, que antes estava vinculado ao ato de servir a nação, agora é transposto para o indivíduo, conduzindo cada um a buscar sua própria segurança e a consumir. Só o ego ficou. “Se não temos o alimento pelo qual ansiamos, o alimento espiritual, então acumularemos os bens deste mundo em vasta escala”. (p.49)
No segundo capítulo Bauman trata dos problemas relativos aos instrumentos existentes de ação política e as razões de sua decrescente eficácia. Para isso, inicia explicitando a relação entre medo e poder, alertando que o medo é utilizado por todos os sistemas religiosos para suprimir a pessoa e sua consciência. Citando Bakhtin, ressalta que segundo ele, esse medo cósmico era o protótipo do poder mundano e terrestre, sendo assim, fabricado, concebido e produzido sob medida.
Para o autor, os medos individuais dificilmente cruzam com outros medos privados e não se reconhecem facilmente quando há esse encontro. Essa dificuldade de se unirem e convergirem é o que Bauman denomina de liberdade individual. Mas questiona até que ponto somos livres, denominando a liberdade presente no nosso tempo de antiliberdade.
Isso porque a liberdade foi tolhida. Os legisladores fazem sua escolhas antes do indivíduo e lhe reduzem o leque de opções. A pós modernidade transformou o indivíduo de cidadão político em consumidor de mercado. A liberdade é ilusória, mas o que a impossibilita, sutil, e surge mais como um código disfarçado sob a forma de uma “oferta que não se pode recusar”, do que uma ordem. Consiste em induzir as pessoas a fazer de boa vontade o que têm de fazer.         
Para mudar isso, Bauman chama atenção para a imprescindibilidade da ágora, espaço público e privado ao mesmo tempo, em que “problemas particulares se encontram de modo significativo – isto é, não apenas para extrair prazeres narcisísticos ou buscar alguma terapia através da exibição pública, mas para procurar coletivamente alavancas controladas e poderosas (…) espaço em que as ideias podem nascer e tomar forma como bem público, sociedade justa ou valores partilhados. (p.11)
Assim, destaca a importância de que os movimentos de sociabilidade estejam de fato comprometidos com a mudança. Reforça que é preciso vencer a condição de conformismo generalizado em que nos encontramos, o que Bauman chama de auto-apologia da rendição do liberalismo (‘Este não é o melhor dos mundos imagináveis, mas o único mundo real’). É preciso retomar/recriar os espaços públicos e construir novos significados à nossa experiência nesse planeta.
            O último capítulo trata das perspectivas possíveis para a crise atual. O autor destaca a democracia liberal como uma das mais poderosas utopias modernas. Seu objetivo é uma sociedade capaz de cuidar para que os assuntos do Estado sejam dirigidos corretamente  e um tipo de Estado  capaz de defender a sociedade contra os excessos que o governo dos interesses dela pode acarretar.
Bauman destaca ainda, a possibilidade de uma segunda reforma a qual daria origem ao “homem modulado”que a exemplo do móvel modulado, não tem formato certo, predeterminado, mas um conjunto infinito de formas e expansões possíveis. Pode ser definido como uma criatura com qualidades móveis, disponíveis e cambiáveis.
            Explica que o homem modulado é capaz de se reunir em associações e instituições efetivas, sem que estas sejam totalizantes, normatizadoras, estabilizadoras ou rígidas e que, com homens modulados, tornam-se redundantes a tirania dos poderes coercitivos e a pressão surda dos rituais.


Castoríadis, Cornélius. Post Scriptum sobre a Insignificância: entrevista a Daniel Mermet. São Paulo: Veras Editora, 2001

Filósofo, economista e psicanalista de origem grega, viveu metade de sua vida na França. É considerado um dos maiores expoentes da filosofia francesa do século XX. Em 1949, com Claude Lefort, fundou o grupo Socialismo ou Barbárie, que deu origem a uma revista que circulou em 1967. A partir de 1980, demarca com mais nitidez os perigos que a fragmentação dos conhecimentos veio produzindo, decompondo as idéias políticas e reduzindo-as a um economicismo vazio. Cornelius Castoriadis é considerado o filósofo da autonomia. Favorável a mudanças radicais repetia: “Não filosofamos para salvar a revolução, mas para salvar nosso pensamento e nossa coerência.”  Entre suas inúmeras obras destacam-se: Instituição Imaginária da Sociedade, Encruzilhadas do Labirinto, Socialismo ou Barbárie.

Em sua fala, Castoríadis reforça o sentido da participação e da liberdade, recolocando o papel dos cidadãos e da competência de cada um para exercer os direitos e deveres democráticos com a finalidade de sair do conformismo generalizado, numa época de retorno ao liberalismo de mercado e de esgotamento ideológico.
Para ele, o que caracteriza o mundo contemporâneo, são as crises, as contradições, as oposições, as fraturas, mas sobretudo, a insignificância, detectada tanto no pensamento de esquerda como no pensamento neoliberal.
Afirma que a classe política não tem nenhum programa e que sua finalidade é ficar no poder ou retornar ao poder sendo capazes, para isso, de qualquer coisa. Se necessário, vira-se a casaca, porque percebe-se que as histórias contadas para chegar ao poder não são aplicáveis.
Explica que para se fazer política são necessárias duas capacidades que não tem relação entre si. A primeira é chegar ao poder. A segunda consiste em, uma vez estando no poder, com ele fazer alguma coisa, ou seja, governar. E complementa afirmando que nada garante que alguém que sabe governar saiba por isto chegar ao poder.
Castoríadis afirma que o que vivemos hoje é uma pseudodemocracia, pois democracia representativa não é democracia. Eles [os políticos] representam a si mesmos ou representam interesses particulares. Segundo ele, dizer que alguém nos  representará por cinco anos de maneira irrevogável equivale a dizer que abrimos mão de nossa soberania enquanto povo. Citando Rosseau, reforça esta ideia: “os ingleses crêem que são livres porque elegem representantes a cada cinco anos, mas só são livres um dia a cada cinco anos, o dia da eleição.” Mas até nisso, comenta, não são livres. “A eleição é fraudada não porque se violem as urnas, é fraudada porque as opções são definidas de antemão. Ninguém perguntou ao povo sobre o que ele quer votar.” (p. 30)
Para o autor, a exemplo do que afirmou Aristóteles, cidadão é quem é capaz de governar e ser governado. No entanto, esclarece que o que há é uma contra-educação política e que enquanto as pessoas deveriam habituar-se a exercer todas as espécies de responsabilidades e a tomar iniciativas, habituam-se a seguir opções que outros lhes apresentam. Podemos destacar aqui, o conceito de heteronomia usado por Bauman, ou seja, a sujeição de um indivíduo à vontade de terceiros.
Afirma ainda, que vivemos hoje uma época de dissolução das ideologias. Explica que nas sociedades modernas havia ainda um conflito social e político vivo, as pessoas se opunham, se manifestavam e que hoje o que se vê é um recuo das pessoas, por acharem que não vale a pena se envolver, que nada se pode fazer.
Questionado sobre por que não há oposição ao liberalismo, afirma que existe hoje uma espécie  de terrorismo do pensamento único, de um não pensamento, um pensamento liberal único ao qual ninguém ousa opor-se.
Assim como Bauman, Castoríadis só vê possibilidade de transformação a partir do ressurgimento de uma potente crítica do sistema e do renascimento da atividade das pessoas, de sua participação na coisa comum.
Sobre a formação do cidadão generalista e do cidadão especialista para exercer a política, explica: “A política não é um assunto de especialistas. Não há ciência da política.” (p.40) Portanto, complementa afirmando que são necessários técnicos que dêem assessoria aos políticos, mas que estejam a favor do povo e não compactuando com os políticos. E as pessoas aprendendo a governar, governando.
Completando esta ideia, enfatiza que as pessoas precisam ser educadas na coisa pública, que as escolas precisam ensinar as coisas públicas como as leis, e acrescenta: “seria preciso ensinar uma verdadeira anatomia da sociedade contemporânea: como ela é, de que modo funciona. (p. 44)
            Quando perguntado sobre junto de quem e contra quem lutaria, Castoríadis responde que lutaria junto a todo mundo e contra o sistema. Afirma que a sociedade capitalista hoje é uma sociedade que corre para o abismo, porque é uma sociedade que não sabe autolimitar-se. E conclui falando sobre liberdade citando Tucídides: É preciso escolher: ou descansar ou ser livre. E complementa: “liberdade é atividade, e a atividade que sabe colocar seus próprios limites.” (p.54).



quarta-feira, 2 de abril de 2014

O Mundo da Pseudoconcreticidade e sua Destruição

Karel Kosik foi um militante e filósofo marxista de origem tcheca. Uma das suas principais e notáveis obras é o livro Dialética do Concreto, publicado em 1963 que lhe valeu reputação internacional como um dos mais importantes filósofos do marxismo humanista, obra da qual fora extraído o texto que passamos a sintetizar.
O mundo da pseudoconcreticidade diz respeito a existência autônoma dos produtos do homem e a redução destes ao nível da práxis utilitária.
De acordo com o autor, a atitude primordial do homem sobre os fatos, coisas e situações não é a de um sujeito cognoscente, ou seja, daquele que toma conhecimento e examina a realidade para depois inferir uma ideia, mas de um ser prático agindo sobre a realidade de forma objetiva a partir de seus interesses imediatos.
Desta forma, “o indivíduo cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções  que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade”, (p.10) distanciando-se da essência, da compreensão das coisas e da realidade. O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas de modo inadequado, parcial ou apenas sob certos ângulos e aspectos.
Ao mundo da peseuconcreticidade pertencem: o mundo dos fenômenos externos, que se desenvolve a parte dos processos essenciais, o mundo das coisas fetichizadas; o mundo das representações comuns e o mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de serem coisas naturais.
O mundo que é apresentado ao homem não é o mundo real, é o mundo das aparências embora esse mundo tenha fundamento e seja considerado como real. Para perceber a estrutura das coisas ou a “coisa em si” é necessário um esforço e um desvio e para isso é necessário que o homem, já antes e iniciar qualquer investigação, tenha consciência  do fato de que existe algo suscetível de ser definido como estrutura da coisa e de que existe uma oculta verdade da coisa.
O processo dialético emerge como condição de desreificar os fatos e fenômenos. A coisa. Como a essência não se manifesta diretamente, deve ser descoberta mediante uma atividade peculiar, aí entrando o trabalho da ciência e da filosofia.
O conhecimento é a própria dialética em uma das suas formas, é a decomposição do todo, sem a qual não há conhecimento. Assim, o pensamento que destrói a pseudoconcreticidade é um processo do qual “sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência externa se desvenda a lei do fenômeno; por trás do movimento visível, o movimento real interno; por trás do fenômeno, a essência.” (p. 16)
A realidade- muito bem destacada pelo autor- oculta pela pseudoconcreticidade, é o mundo da práxis humana. É a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e produto, de sujeito e objeto, de gênese e estrutura. O mundo real não é portanto, um mundo de objetos “reais” fixados. É um processo de curso no qual a humanidade e o indivíduo realizam a própria verdade, é um mundo em que a verdade não é dada e predestinada, não está pronta e acabada. “A destruição da pseudoconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para sempre, mas que ela se faz; logo se desenvolve e se realiza". (p. 19)


terça-feira, 1 de abril de 2014

Diferenças, Aprendências e Resistências em Tempo de Escola para Todos

Diferenças, Aprendências e Resistências em Tempo de Escola para Todos

Pensar em inclusão passa por pensar em uma série de atravessamentos e compreensões que vamos construindo nas relações sociais que estabelecemos. Avaliar como pensam os professores e percebem a diferença em sala de aula parece ser análise relevante para o melhor entendimento de questões como aprendizagem e desenvolvimento de sujeitos que necessitam da interação sem que lhe sejam negadas suas especificidades. Perceber que existem diferentes maneiras de olhar a diferença pode explicar porque para um mesmo sujeito podem-se entrever possibilidades ou dificuldades.
 A sociedade, e a escola como produção desta, definiram ao longo do tempo padrões, normalizações, lugares e posições que embora pareçam produções naturais são criações sociais que definem  e subjetivam o outro. Temos aí, os que aprendem e os que não aprendem, os que possuem condições de, e os que não acompanham, os inteligentes e os fracassados, os que avançam e os repetentes, os destaques e as escórias.
Uma escola competente é a que forma indivíduos competentes. Competência lida aqui como a capacidade de se sobressair, de competir, de formação do indivíduo cientificamente preparado dotado de habilidades cognitivas que permitam o acesso aos bens produzidos  e de capacidade de construir inteligentemente meios de sobrevivência. Desvaloriza-se e menospreza-se,  na maioria das vezes, habilidades outras que não estas. A cognição como capacidade que encontra-se no topo da pirâmide educacional, estando todas as demais habilidades numa escala inferior.
O sentido que se dá, assim para competência  é também  uma invenção social, enredada em fortes relações de poder definida por um eu superior, "normal", impositivo.
Quando o professor se refere ao aluno dizendo "ele nao aprende", pode estar dizendo: ele não aprende o que lhe estou ensinando, da forma como eu estou lhe ensinando e no tempo que estou determinando, o que não é por si só, condição para o fracasso.
Esvaviar-se dessa construção negativa dos sujeitos em situação de aprendizagem, é entender que o discurso da não aprendência é um discurso inócuo, vazio, acientífico e que revertê-lo pressupõe desnaturalizar verdades, rever conceitos e buscar alternativas de (im)permanência dos modos de ser e estar em sala de aula,  "é pensar que os diferentes aprendem de uma forma peculiar e que mais do que diagnósticos precisamos problematizar e negociar outras representações para estes sujeitos. Representações que nos permitam pensar e ver como legítimas outras formas de ensinar e aprender indicadas pelos próprios sujeitos, forjadas nas relações com esses grupos culturais" [Fabris e Lopes, 2000].
Nesse sentido, a diferença precisa ser lida não como oposto de igualdade. O que é diferente, não é pois aquilo que não é igual, mas aquilo que não busca a homogenização no mesmo, mas quer manter e ver reconhecidas suas especificidades. Não é algo a ser eliminado, completado, ou corrigido. Não sao, os diferentes, sujeitos que devam apenas serem respeitados ou tolerados, uma vez que  são estes, princípios fundamentais à todo ser humano.
O próprio termo inclusão remete a algo que estaria fora. Não se nega aqui, a existência desse fato, o que se propõe é a problematização de questões para as quais não existem embates. O problema da diferença não está posto no seu âmago, uma vez que sendo todos diferentes, é um signo da humanidade, mas reside na construção social e na compreensão desta enquanto falta, incompletude, algo a ser tolerado. O diferente traz em si, aquilo que eu igual não desejo, e que como tal precisa ser corrigido, modificado, normalizado para que este possa, como eu,  estar dentro, fazer parte. 
Para normalizar é preciso portanto, reforçar no aluno aquilo que lhe falta, trabalhar conceitos e habilidades que este ainda não alcança, recuperar. Ou quando isto não acontece, repetir, até que este consiga um mínimo necessário ou quando, percebendo-se que não atingirá o esperado, empurrá-lo para a série seguinte. Assim perpetua-se na escola espaços de não aprendizagem para os diferentes e reforça-se o estigma de fracassado que passa a fazer parte da identidade desses alunos.
Não se trata aqui de negar os déficits cognitivos. Eles existem. Não se trata também de induzir ao abandono intelectual aqueles que, por algum motivo não apresentam condições de aprendizagem da forma como acontece com a maioria dos alunos que recebemos em nossas escolas. Trata-se sim, da não generalização do termo deficiência. Ninguém é deficiente em tudo e todas as deficiências são singulares. É necessário, pois abrir espaços e apresentar possibilidades de avanço, buscando formas alternativas que não estejam vinculadas a um padrão. Trabalhar os sujeitos como seres únicos e aprendentes em potencial, desde que sejam reduzidas as ações de enquadramento e dadas as condições devidas para a aprendizagem, ultrapassando como nos diz Paulo Freire, a consciência ingênua que faz do nosso fazer pedagógico um ato descompromissado, sem reflexão, sem crítica, atrelado à permanência e à tradição.

Bibliografia:
LOPES, Maura Corcini; DAL'IGNA, Maria Claudia (org.) In/Exclusão: Nas Tramas da Escola. Editora ULBRA, Canoas, 2007