Material produzido para a Primeira Semana Inclusiva organizada pela APADAC de Curitibanos com base no livro Blocos Lógicos de Úrsula Marianne Simons
sábado, 3 de outubro de 2015
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
Participação em webconferência
De iniciativa da professora Cleide do Nascimento Carlos, professora orientadora da disciplina de Português, da Escola Maria José Santos Ferreira Gomes do município de Sobral - Ceará, aconteceu na tarde de hoje uma webconferência, onde participei propondo aos professores algumas reflexões sobre educação, sala de aula, processo de ensino e aprendizagem, avaliação e relação professor/aluno. O convite partiu da leitura pela professora de uma reflexão, na qual trago uma releitura do livro "Pinóquio as Avessas" de Rubem Alves. O título da obra se dá pelo entendimento de que, diferente de Pinóquio, que precisa ir a escola para virar gente e poder sonhar, em Pinóquio as Avessas, o autor aponta para o perigo que correm nossas crianças ao ingressarem em escolas que não consideram seu potencial e suas capacidades individuais e criativas, antes tentam enquadrá-las num sistema educacional rígido, conservador, anacrônico e sufocante.
Tentamos apresentar um panorama do paradigma tradicional de ensino e o paradigma atual, buscando sustentação na fala do próprio Rubem Alves e do consultor em assuntos educacionais Ken Robinson, ideias que apresentamos no vídeo que se segue a esta postagem.
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
CONHECIMENTO, RACIONALIDADE E HISTORICIDADE
As ideias presentes
neste texto assentam suas bases no livro As
Fronteiras da Epistemologia, do professor Luiz Carlos Bombassaro, o qual
nos remete às primeiras formulações acerca do tema, mas que ora, partindo de
outras leituras e de nossas próprias, nos arriscamos a ampliar, partido
principalmente das formulações de Vygotsky, acerca da teoria sócio-histórica.
Consideremos
para início dessa exposição o significado da palavra conhecimento. Segundo Cruz
(2002), para a filosofia existem dois tipos de
conhecimento, o conhecimento vulgar ou conhecimento do senso comum que é o
conhecimento do que, e o conhecimento científico,
que é o conhecimento do por que.
Para o
autor, a diferença entre esses dois tipos de conhecimento não está nos objetos
conhecidos, mas no modo de conhecê-los. Reside principalmente no conhecimento
das causas, já que o conhecimento vulgar apenas constata a ocorrência dos
objetos, enquanto que o conhecimento científico sabe o porquê eles existem.
É
comum associarmos conhecimento como um ato da razão, entendendo que é por meio
dela que o sujeito cognoscente apreende o real, encadeando ideias e juízos,
para chegar a uma conclusão. Era através da razão também, que os gregos
buscavam a superação do mito ou do saber comum.
Como
conceito de razão podemos dizer que “a razão é a faculdade que calcula, mede,
julga, deduz, compara, relaciona e coordena os meios com os fins, ou seja, é a
faculdade que possibilita o funcionamento abstrato do mecanismo de pensamento”
(HORKHEIMER, 1976, p.11)
Nas palavras do
professor Bombassaro, (1992, p.14) “Assim, dizer do homem que ele é racional,
marcado originalmente pela racionalidade, é o mesmo que atribuir-lhe a
capacidade de poder dar razões, de poder argumentar discursivamente.”
No entanto, como alerta
o professor, o conhecimento não se limita a uma atividade intelectual, ele é
historicamente situado, uma vez que o processo
de construção do conhecimento surge como forma de solucionar determinados
problemas, explicar situações e fenômenos.
A
capacidade criativa do homem se expande a cada novo desafio encontrado, a
começar pela descoberta do fogo, seguindo-se a descoberta da pólvora, as grandes
navegações, à revolução da indústria e uma infinidade de outras criações que
surgem a partir de uma necessidade particularmente humana.
Nos voltando para a
questão da historicidade por um viés mais psicológico, chegamos aos estudos do psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky. Para Vygotsky, o
homem é essencialmente social e seu desenvolvimento está condicionado às
relações que estabelece com o meio.
As
concepções deste teórico sobre o funcionamento do cérebro humano fundamentam-se
na ideia de que as funções psicológicas superiores são construídas ao longo da
história social do homem. Na sua relação com o mundo, mediada pelos
instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano cria as
formas de ação que o distinguem de outros animais. Assim, o cérebro humano não
seria caracterizado como um sistema fechado, fixo e imutável, mas condicionado
e moldado ao longo da história.
As
postulações de Vygotsky sobre o substrato biológico do funcionamento
psicológico evidenciam a forte ligação entre os processos humanos e a inserção
do indivíduo num contexto sócio histórico específico. Instrumentos e símbolos
construídos socialmente definem quais das inúmeras possibilidades de
funcionamento cerebral serão efetivamente concretizadas ao longo do
desenvolvimento e mobilizadas na realização de diferentes tarefas. (LA TAILLE,
1992, p.26)
Se pensarmos no processo de desenvolvimento de
uma criança, temos o meio como o mais importante elemento deste processo. A
qualidade dos estímulos que uma criança recebe é preponderante para o
amadurecimento do seu sistema nervoso central, sem os quais, o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores e a capacidade de formular conceitos
estaria seriamente comprometida.
Para
Vygostsky, apud. La Taille et all. (1992, p. 24) “a cultura
torna-se parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo do
desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do
homem.”
Quando
uma mãe adverte uma criança para que não coloque a mão no fogo porque queima e
ela obedece, podemos perceber a função de um mediador social histórico na
apropriação de um conhecimento. Assim, grande parte da ação do homem no mundo e
dos conhecimentos produzidos é mediada pela experiência do outro, pela
informação apresentada por outra pessoa. Um indivíduo não precisa viver tudo de
primeira mão e isso é essencial para os processos de crescimento histórico, uma
vez que de outra forma, cada pessoa teria que estar começando sempre, tudo do
zero.
A
cultura funciona desta forma, como uma espécie de alargador das potencialidades
humanas. Assim, se pelas possibilidades biológicas, por exemplo, o homem anda,
mas não voa, pela cultura, essa possibilidade se torna real.
Constituindo-se
sujeito nas e pelas interações que estabelece, esta formação passa pelo
significado que o outro dá às estas ações, mas além disso, o próprio
significado que o outro dá a essas ações é produto de todo um processo
histórico e cultural. Através da mediação do outro nos transformamos de ser
biológico em ser cultural.
Assim,
uma questão que levantamos partindo desse arcabouço teórico, é se a própria
racionalidade humana não estaria condicionada ao aspecto social. Neste viés
interpretativo, nossa capacidade de entender, enunciar, argumentar e abstrair,
próprias daquilo que se diz racional, além de serem constitutivas do homem,
como capacidades inatas, só se desenvolveriam a medida que este fosse
confrontado social e historicamente, processo este possibilitado inicialmente
por meio da linguagem.
Podemos
destacar como exemplo disso o caso dos meninos lobo encontrados na Índia em
1911 que nunca chegaram a alcançar o nível normal de desenvolvimento, o caso de
Caspar Houser, adolescente de cerca de 15 anos, encontrado em Nurembergue, tomado
como referência sobre estudos acerca de linguagem e realidade, dentre muitos
outros casos espalhados pelo mundo que comprovam a tese de que em ambiente
inumano o aparato biológico por si só, não possibilita o exercício das
condições próprias da espécie aprendidas
e acomodadas socialmente.
A
racionalidade, no pensamento de um sujeito, não está isolada e acompanha-se da
capacidade de emoção, do sentimento estético, de preocupações metafísicas,
religiosas, do exercício da vontade, de projetos, de escolha de valores, de uma
cultura, de uma representação do mundo, segundo disposições próprias a cada
indivíduo.
Se nos
reportarmos a etimologia do termo, razão vem do latim rationem, que
significa cálculo, conta, medida, regra. E a própria noção de medida ou regra
remete a cultura, à valores, à aquilo que é considerado aceitável num
determinado espaço e num determinado tempo.
Para Habermas, apud Alves (2009, p.182)
Não há nenhuma concepção
neutra da racionalidade, dado que o nosso conhecimento de mundo pressupõe
valores. O “saber em que” tal ou tal coisa consiste está implicitamente ligado
a um “saber porque” e reenvia nesse sentido às justificações potenciais. [...]
Em outros termos, a gramática do termo “saber” implica que tudo aquilo que nós
sabemos pode ser criticado e justificado.
Assim, a razão não é apenas uma faculdade interior do homem,
mas ela se personificou nos próprios signos da sociedade. Para que uma
opinião seja dita racional, basta que ela seja aceita por boas razões no
interior de um contexto de justificação, ou de outra forma, “a racionalidade de
um julgamento não implica sua verdade, mas apenas sua aceitabilidade fundada
dentro de um contexto dado” (op cit).
Racionalidade
e historicidade são pois, dois traços em estreita correlação que constituem a
amálgama humana, pois só enquanto dotado
do logos o homem é capaz dizer o mundo, mas esta habilidade não se faz isolada
da realidade histórico social. Do contrário, afeta e é afetada por ela.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALVES, Marco Antonio Souza. Racionalidade e Argumentação em Habermas.
Kínesis, Vol. I, n° 02, Outubro-2009, p. 179 - 195
BOMBASSARO, Luiz Carlos. As fronteiras da epistemologia: uma introdução
ao problema da racionalidade e da historicidade do conhecimento.
Petrópolis: Vozes, 1992
CARVALHO, Fábio. Gestão do Conhecimento. São Paulo: Editora Pearson, 2012.
CRUZ,
Tadeu. Gerência do Conhecimento. São Paulo: Editora Cobra,
2002.
HORKHEIMER, Max. Eclipse
da Razão. Rio de janeiro: Labor do Brasil, 1976.
LA TAILLE, Yves de. OLIVEIRA, Marta Kohl de. DANTAS,
Eloysa. Piaget, Vygotsky, Wallon:
teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
Eu Maior
Eu Maior é um documentário que reúne depoimentos de ambientalistas, espiritualistas, filósofos, artistas e cientistas sobre a vida e a felicidade. Trata das nossas dúvidas existenciais e da nossa relação com a gente mesmo, com o outro e com o universo. Resumindo, discute como podemos nos tornar maiores e nos elevarmos além da nossa condição física e terrena.
Dentre as várias coisas que nos faz pensar, nos questiona sobre o que nos apequena e o que nos engrandece, o que buscamos, qual o nosso problema, qual a solução, o que nos satisfaz, o que ou quem sou eu, o que quero que vejam de mim, o que o outro representa na minha vida, que compreensão, que consciência tenho do mundo...
Entre os vários depoimentos, um do psicólogo Roberto Crema traduz exatamente a necessidade desse autoconhecimento. " A prisão é Maia. É a ilusão. É eu não saber quem eu sou, de onde venho e para onde eu vou. A liberdade é precisamente a pessoa tomar consciência. Ser capaz de ser o autor da própria existência."
Em tempos de tantas especulações sobre a tal felicidade, arrisco dizer que o autoconhecimento seja aquilo que talvez mais se aproxime dela. Isso porque nosso nível de insatisfação diminui quando começamos descobrindo onde estão os nossos problemas. Esse é um passo fundamental, sem o qual solução nenhuma será encontrada.
Conhecer-se, ser maior, crescer além da condição financeira e material. Essa é a proposta de reflexão do documentário. O que cada um sabe de si é condição fundamental para definir o que os outros sabem e dizem a seu respeito. E o que dizem a seu respeito não tem a ver com o que você fala de si, mas com o que você fala dos outros. É através das suas palavras amorosas ou das suas declarações injuriantes que os outros saberão exatamente quem é você – pouco importando o que você diga sobre si mesmo.
Portanto, continuemos a saga da maior viagem que podemos empreender. Aquela em que tomamos nossa mochila e seguimos para o interior de nós mesmos.
quarta-feira, 2 de julho de 2014
Gênero, sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista.
SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise
histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul./dez.
1995
LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e Educação: uma
perspectiva pós-estruturalista. São Paulo:Vozes, 1997.
Este
trabalho se propõe a apresentar as ideias das referidas autoras quanto a
temática de gênero em seus atravessamentos e transversalidades.
Em
Gênero, Sexualidade e Educação, a
autora apresenta conceitos e teorias no campo dos estudos feministas e suas
relações com a educação, estuda as relações do gênero com a sexualidade, as
redes do poder, raça, classe, a busca de diferenciação e identificação pessoal
e suas implicações com as práticas educativas atuais.
Já em Gênero: uma
categoria útil de análise histórica,
a ideia nuclear é a de que gênero é usado para enfatizar o cunho social das
diferenças entre os sexos e que o termo possibilita um rompimento com o estigma
do sexo.
Guacira
Lopes Louro inicia propondo um rompimento com o pensamento dicotômico masculino
em oposição ao feminino, alegando que esta é uma visão reducionista e que as
relações de gênero se produzem na e pelas
relações de poder.
Scott
também evidencia as relações entre gênero e
poder, alegando que ainda que não seja o único campo de articulação do poder, o
gênero é a primeira instância dentro da qual, ou por meio da qual, o poder se
articula. Afirma que os conceitos de gênero estruturam a percepção e a
organização de toda a vida social, influenciando as concepções, as construções,
a legitimação e a distribuição do próprio poder.
Para essa autora
o gênero implica
quatro elementos relacionados entre si:
1) símbolos culturalmente
disponíveis que evocam representações múltiplas;
2) conceitos normativos que colocam
em evidência a interpretações do sentido dos símbolos. Esses conceitos são
expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou
jurídicas
3) noção de fixidade da categoria de
gênero ao sistema de parentesco, impossibilitando uma visão mais ampla que
abarque a realidade da sociedade, das relações de trabalho, da educação, dos sistemas
políticos, da economia, etc.
4) identidade subjetiva: o gênero
torna-se implicado na concepção na construção do poder em si, sendo ainda, um
meio de decodificar o sentido e de compreender as relações complexas entre
diversas formas de interação humana.
No primeiro capítulo de seu livro,
Guacira procede a uma construção histórica sobre o termo e suas representações
mais significativas. O conceito de gênero para a autora, está diretamente
ligado a história do movimento feminista, implicado lingüística e politicamente
em suas lutas. Scott reafirma a questão da produção do conceito enfatizando que seu sentido foi importado da
gramática, passando mais tarde a referir-se à organização social das relações
entre os sexos, realçando-se o caráter cultural das distinções baseadas no
sexo.
O sufragismo,é caracterizado por
Gaucira como a “primeira onda” importante do movimento feminista. No final da
década de 1960, além das preocupações sociais e políticas, dá-se inicio as
contruçoes propriamente teóricas, sendo engendrado e problematizado o conceito
de gênero caracterizando-se assim a “segunda onda.” No Brasil, foi no final dos
anos 80 que as feministas começam a usar o termo gênero.
“Militantes feministas participantes
do mundo acadêmico vão trazer para o interior das universidades e escolas questões
que as mobilizavam, impregnando e "contaminando" o seu fazer
intelectual — como estudiosas, docentes, pesquisadoras — com a paixão política.
Surgem os estudos da mulher.”
(LOURO, 1997, p.16). Segundo a autora, tornar visível aquela que fora
ocultada foi o grande objetivo das estudiosas feministas desses primeiros
tempos.
Sobre
isso Scott faz uma crítica aos trabalhos que utilizam o termo gênero para abarcar as
mulheres sem referenciá-las explicitamente. Essa tentativa de despolitizar a
inclusão das mulheres na história seria fruto, segundo ela, de uma
tentativa de legitimação acadêmica.
Também critica
as pesquisas que apesar de analisarem as relações sociais entre homens e
mulheres atém-se somente ao estudo de certos setores da organização social, como
a família, a reprodução, as ideologias de gênero. Estas pesquisas realçam o
mero uso do termo gênero, sem uma mudança de perspectiva teórica, o que faz com
que estes trabalhos continuem a estudar “as coisas relativas às mulheres”, de
forma descritiva, sem que se questione porque as relações entre homens e
mulheres estão construídas como estão,.
Para Guacira, uma das mais
significativas marcas dos Estudos Feministas foi seu caráter político.
“Objetividade e neutralidade, distanciamento e isenção, que haviam se
constituído, convencionalmente, em condições indispensáveis para o fazer
acadêmico, eram problematizados, subvertidos, transgredidos.”(LOURO, 1997, p.19)
O argumento da diferenciação
biológica passa a ser cada vez mais um argumento irrecorrível. É preciso demonstrar que não é esta a origem
da diferenciação, mas “a forma como essas características são representadas ou
valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir,
efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado
momento histórico.” (LOURO, 1997, p.21)
A
pretensão, segundo a autora é então, entender o gênero como constituinte da identidade
dos sujeitos e sobre isso destaca que as identidades dos sujeitos não podem
ser entendidas como fixas, estáveis, como essências. “Ao contrário são
atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas,
construindo os sujeitos como masculinos ou femininos, arranjando e
desarranjando seus lugares sociais.” (LOURO, 1997, p.28)
Enquanto que na obra de Scott a
autora passa a analisar três posições teóricas
na análise do gênero, quais sejam, as teóricas do patriarcado, as marxistas, e
as de base psicanalítica, Guacira discute os atravessamentos entre gênero,
sexualidade e poder com argumentos baseados nas teorias de Michael Foucault, o
qual analisa as relações de poder e suas construções, que perpassam também
pelas relações de gênero. A autora discute essas relações a partir dos aspectos
de desigualdades e diferenças, pontos norteadores do gênero na
contemporaneidade e questiona buscando uma análise mais crítica do assunto
sobre o que é referência, quem são os diferentes, quem instituiu essa
padronização, o que é normal, o que é diferente, e principalmente, quais as
relações de poder que envolvem a permanência dessas referências.
Sobre os
posicionamentos teóricos, Scott apresenta a ideia de que as teóricas do
patriarcado defendem uma adaptação da teoria hegeliana, focando a teoria em
suposta necessidade dos homens em subordinar as mulheres para fins de controlar
os meios de reprodução da espécie. Em outras palavras, garantir que seus
herdeiros sejam de fato seus. Para essa corrente, revoluções tecnológicas que
eliminem a necessidade do corpo feminino para a reprodução seria o caminho da
libertação feminina. Ainda na “abordagem patriarcal”, há aquelas que
defendem ser o controle da sexualidade escopo do patriarcalismo. A sexualidade
feminina seria reificada na mesma proporção que o trabalho masculino. A
consciência dessa experiência de reificação, dessa vivência comum, levaria as
mulheres à ação política.
Crítica de
Scott: A teoria de patriarcado desenvolve-se em cima das distinções
físicas entre os sexos. Ao analisar essa única variante como fonte de toda
desigualdade de gênero, “a história se torna um epifenômeno que oferece
variações intermináveis sobre o tema imutável de uma desigualdade de
gênero fixa”. (SCOTT, 1995, p.29)
As feministas marxistas têm uma
abordagem mais histórica, já que elas são guiadas por uma teoria da história.
Os primeiros debates entre as feministas marxistas giravam em torno da rejeição
do essencialismo daqueles que defendem que “as exigências da reprodução
biológica” determinavam a divisão sexual do trabalho pelo capitalismo.
Adentrando o
viés da sexualidade e da psicologia, o volume de ensaios “ Powers of Desire”,
1983, foi uma tentativa, norteada pelos escritos de Foucault e pelo contexto da
“revolução sexual”, de se entender as relações de gênero como interação entre
“a sociedade e as estruturas psíquicas”. Segundo Scott, o único ensaio que
aborda seriamente as questões teóricas propostas é o de Jéssica Benjamin.
Crítica de
Scott: As dificuldades de desenvolvimento teórico encontram-se nas próprias
limitações da matriz marxista, que acaba sempre subordinando o conceito de
gênero ao de uma estrutura econômica, não tendo o gênero, seu próprio estatuto de análise.
Na teoria psicanalítica duas escolas
se destacam: a anglo-saxônica, que trabalha com
a teoria das relações objetais, e a francesa, que se desenvolve a partir do
pós-estruturalismo de Freud, nos termos da teoria da linguagem lacaniana. As
escolas têm em comum o enfoque nas etapas de formação do indivíduo, sob
perspectivas distintas.
A teoria das relações objetais
defende que a identidade de gênero é formada a partir de experiências
concretas, principalmente as vivenciadas domesticamente, como a divisão de
trabalho familiar, a atribuição de tarefas entre os pais. A teoria
pós-estruturalista da linguagem se prende aos sistemas de significação, o que
abarca não só as palavras, mas todo um sistema simbólico que se referenda no
gênero.
Crítica de
Scott: A teoria anglo-saxônica reduz a formação de identidade do sujeito a um
círculo muito restrito, como se não houvesse, além da família, outros sistemas
sociais que façam parte dessa construção. A escola francesa, ao entender o
sujeito sexuado como unidade instável, em permanente construção a partir da
oposição entre as significações masculino/feminino, articula castração com as
relações sociais, mas tende a universalizar as categorias masculino-feminino,
desconsiderando a especificidade e contexto histórico na construção da
subjetividade e reforçando o caráter de oposição binária do gênero.
As duas autoras
são unânimes na ideia de que reduzir gênero ao conceito de mulher é uma atitude
simplista e que as várias categorias
ou estruturas (raça, etnia, classe, gênero), não podem ser analisadas
isoladamente, já que a opressão de uma está inscrita no interior da outra, onde
“é preciso considerar gênero tanto como uma categoria de análise quanto como
uma das formas que relações de opressão assumem numa sociedade capitalista,
racista e colonialista” (LOURO, 1997, p.55).
Sobre a questão da diferença, Guacira
traz uma ideia importante reforçando o que já discutira em outros momentos do
texto, o fato de que por estar implicada em relações de poder, a diferença é
sempre nomeada a partir de
um determinado lugar que se coloca como referência e que a narrativa
convencional vê o gênero como um molde social. Assim, a hegemonia branca, masculina,
heterossexual e cristã, tem nomeado como diferentes aqueles e aquelas que não
compartilham desses atributos.
Já, sobre a construção escolar
das diferenças, Guacira nos leva a reflexão acerca de muitas situações e
conceitos que são naturalmente apropriados pelos sujeitos e que, como alerta a
autora precisariam se tornar alvo de atenção renovada, de questionamento e, em
especial, de desconfiança, pelos pré-conceitos que comportam.
Segundo a autora, a escola
ocidental moderna institucionaliza o processo de "fabricação" dos
sujeitos sendo este geralmente muito sutil, quase imperceptível, reforçando as desigualdades e diferenças. Os currículos,
normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos,
processos de avaliação e disciplina são constituídos e produtores das
diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe, entre outros. O que nos leva
a refletir sobre nossas práticas educacionais, como reforçamos e/ou produzimos
estas dicotomias.
Na sequência, Guacira traz a
discussão as relações com as diferenças na escola, destacando os mecanismos de
classificação, ordenamento e hierarquização. Cita alguns posicionamentos
fixados pela escola como o treino de habilidades manuais para as meninas, a
separação nas atividades entre meninos e meninas, a diferenciação dos
brinquedos e das atividades desportivas, a representação da família típica, a
ambigüidade da expressão homem, a
linguagem aparentemente inocente e desproposital.
O
campo da linguagem recebe especial atenção da autora. Suas reflexões nos
conduzem a desnaturalizar algumas ideias que se cristalizam em nosso imaginário
ganhando status de verdades absolutas. Passamos a considerar tudo isso de algum
modo, como inscrito na "ordem das coisas”.
“A linguagem é, seguramente, o
campo mais eficaz e persistente — tanto porque ela atravessa e constitui a
maioria de nossas práticas, como porque ela nos parece, quase sempre, muito
"natural". (LOURO, 1997, p.65)
“A linguagem não apenas expressa
relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas
produz e pretende fixar diferenças” (LOURO, 1997, p.65)
“A linguagem é um turbilhão e nos
usa muito mais do que nós a usamos.” (LOURO apud Portinari, 1989, p. 18)
No quarto capítulo, Guacira
inicia questionado sobre qual seria o gênero
da escola. Sua reflexão passa pela compreensão de que “a escola é atravessada
pelos gêneros” (LOURO, 1997, p.89), o que é confirmado quando pensamos na
feminilização do magistério (representação da professora assexuada, materna ou
até solitária) ou na masculinização (quando da transmissão de conhecimentos).
Na verdade, também se trata de
uma construção social, histórica e cultural dos sujeitos e da escola. A partir
do gênero da escola, a autora questiona as atitudes patriarcais e sexistas no
capítulo seguinte.
É nesse capítulo que a autora
discute como promover uma educação não-discriminatória ou no mínimo menos
discriminatória.
A importância desse aspecto na
discussão do livro é de reforçar a necessidade de um olhar diferenciado, da
necessidade de transpor barreiras e limites e contribuir para a construção de
um conhecimento novo. Transformações que se efetivará a partir de políticas públicas
e das práticas cotidianas. A partir daí discorre sobre a educação sexual e
sobre como incluí-la na escola ou no currículo de forma a abranger o assunto
com a importância que exige na contemporaneidade, ou seja, além de uma esfera
puramente biológica.
No último capítulo, a autora discute sobre o feminismo afirmando que nenhuma ciência é desinteressada ou
neutra. Como exemplo, cita que a ciência foi feita pelos homens, brancos, ocidentais e de classe dominante que
determinaram o que era importante, em geral. Portanto, as idéias apresentadas
pela autora não representam “levantar bandeira” do feminismo, mas operar com
categorias analíticas instáveis, movimentando-se em um meio teórico que está em
constante construção e que acolhe a crítica como parte desta. “A proposta é,
portanto, ir além dos estudos meramente atentos a um superficial e momentâneo
interesse sobre mulher e gênero. O que se propõe são estudos que ultrapassem a
simples adesão temática, pesquisas que se disponham a um mergulho teórico mais
ousado – tarefa que certamente implica em desafios de outra ordem” (LOURO,
1997, p.152)
segunda-feira, 21 de abril de 2014
Em Busca da Política / Post Scriptum sobre Insignificância
BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000
Não iremos muito longe sem trazer de volta do exílio idéias
como a de homem público,
da boa sociedade, da igualdade, da justiça e
assim por diante - idéias que não fazem
sentido senão cuidadas e cultivadas na companhia dos outros.
(Baumann, 2002, 16)
A ideia principal da obra Em
Busca da Política é a de que a pós modernidade trouxe profundas mudanças no
modo como vivem e se relacionam as pessoas, a individualidade se sobrepôs de forma
implacável sobre o coletivo disseminando a discórdia e as penúrias e os
sofrimentos contemporâneos estão fragmentados, dispersos e espalhados.
Não existe um centro, um núcleo, onde discussões a nível coletivo
possam auxiliar na resolução de causas comuns, e o discurso neoliberal se
apresenta como aquele quase impossível de combater.
Duas idéias fundamentais se destacam na obra: a de que a
liberdade individual só pode ser produto do trabalho coletivo e a de que a
identidade não é herdada. É preciso construí-la.
Na introdução, Bauman analisa algumas crenças contraditórias
que perpassam boa parte da sociedade ocidental hoje, lembrando que as crenças
não precisam ser coerentes para que acreditemos nelas, e destaca duas delas
para tentar lançar uma nova luz sobre a perda de legitimidade que atinge
crescentemente a ação política.
A primeira, diz respeito a questão da liberdade, a qual
entendemos que está concluída, não necessitando, portanto, de irmos para a rua
protestarmos por maior liberdade do que a que já temos. A segunda, nos faz
pensar que pouco ou nada podemos mudar da realidade que aí está.
Segundo o autor, podemos fazer usos distintos desta realidade
posta, que foram definidos como uso
cínico e uso clínico. No primeiro, tende-se a aceitar o mundo tal qual é,
visando tirar dele o máximo de vantagem; já, saber utilizado de forma clínica
nos ajuda a combater o que vemos de impróprio, perigoso ou ofensivo à
moralidade.
O autor destaca ainda na introdução, problemas que dificultam
transformações na sociedade e concorrem para a manutenção da ordem que aí está.
Dentre estas, cita o conformismo generalizado, a falta de coragem, ações
descentralizadas, envolvimento com tarefas que não possibilitam o exercício da
reflexão e do questionamento, privatização da utopia e preocupação excessiva e
fragmentada com problemas pessoais de modo que se torna difícil agrupá-los e
condensá-los numa força política.
No primeiro capítulo, Bauman trata dos problemas que
perturbam os instrumentos de ação política. Dentre estes destaca o medo, a frustração,
a inconsistência da amizade e da solidariedade, disseminação da discórdia, a
desconfiança e a hostilidade mútuas, não sacrifício da liberdade individual,
perda da autoconfiança, ansiedade, insegurança, desesperança, apatia,
agressividade, desinteresse por tudo que tenha caráter político, gerando
deslocamento e exclusão (dada a multiplicidade de papeis que assumimos).
Sobre o liberalismo e a livre concorrência o autor afirma: “Os
postulados da transparência e flexibilidade referem-se ao controle exercido
pelos poderosos de imperar sobre as condições em que os outros, menos
autoconfiantes, são forçados a escolher entre o modesto conjunto de opções que
lhes resta ou submeter-se ao destino que lhes toca quando não há mais qualquer
opção”. (p. 34)
Neste capítulo, o autor discute também a falta de causas
comuns e de relevância entre as pessoas, enfatizando que o individualismo a que
são conduzidas, leva cada um a defender seus próprios interesses, o que conduz
inevitavelmente a um sentimento de insegurança existencial humana. “Os medos que
cada um sente só podem ser contados, mas não compartilhados ou unidos numa
causa comum com a qualidade nova da ação conjunta. Não há um caminho óbvio que
leve dos terrores privatizados às causas comuns que podem se beneficiar do
confronto e enfrentamento conjunto.” (p.54)
Há um esfriamento generalizado das relações humanas,
insegurança e medo.
A diminuição do poder do Estado faz com que as nações não se
sintam seguras no abrigo que outrora foi a soberania política. “A soberania anda
de muletas – coxa e vacilante. As autoridades do Estado nem mesmo fingem que
são capazes ou desejam garantir a segurança dos que estão sob sua
responsabilidade” (p. 47)
O sentido da vida, que antes estava vinculado ao ato de
servir a nação, agora é transposto para o indivíduo, conduzindo cada um a
buscar sua própria segurança e a consumir. Só o ego ficou. “Se não temos o
alimento pelo qual ansiamos, o alimento espiritual, então acumularemos os bens
deste mundo em vasta escala”. (p.49)
No
segundo capítulo Bauman trata dos problemas relativos aos instrumentos
existentes de ação política e as razões de sua decrescente eficácia. Para isso,
inicia explicitando a relação entre medo e poder, alertando que o medo é
utilizado por todos os sistemas religiosos para suprimir a pessoa e sua
consciência. Citando Bakhtin, ressalta que segundo ele, esse medo cósmico era o
protótipo do poder mundano e terrestre, sendo assim, fabricado, concebido e
produzido sob medida.
Para
o autor, os medos individuais dificilmente cruzam com outros medos privados e
não se reconhecem facilmente quando há esse encontro. Essa dificuldade de se
unirem e convergirem é o que Bauman denomina de liberdade individual. Mas
questiona até que ponto somos livres, denominando a liberdade presente no nosso
tempo de antiliberdade.
Isso porque a liberdade foi tolhida. Os legisladores fazem
sua escolhas antes do indivíduo e lhe reduzem o leque de opções. A pós
modernidade transformou o indivíduo de cidadão político em consumidor de
mercado. A liberdade é ilusória, mas o que a impossibilita, sutil, e surge mais
como um código disfarçado sob a forma de uma “oferta que não se pode recusar”,
do que uma ordem. Consiste em induzir as pessoas a fazer de boa vontade o que
têm de fazer.
Para mudar isso, Bauman chama atenção para a imprescindibilidade
da ágora, espaço público e privado ao mesmo tempo, em que “problemas particulares se encontram de modo significativo – isto é, não
apenas para extrair prazeres narcisísticos ou buscar alguma terapia através da
exibição pública, mas para procurar coletivamente alavancas controladas e
poderosas (…) espaço em que as ideias podem nascer e tomar forma como bem
público, sociedade justa ou valores partilhados. (p.11)
Assim, destaca a importância de que os movimentos de
sociabilidade estejam de fato comprometidos com a mudança. Reforça que é
preciso vencer a condição de conformismo generalizado em que nos encontramos, o
que Bauman chama de auto-apologia da rendição do liberalismo (‘Este não é o
melhor dos mundos imagináveis, mas o único mundo real’). É preciso
retomar/recriar os espaços públicos e construir novos significados à nossa
experiência nesse planeta.
O último capítulo trata das
perspectivas possíveis para a crise atual. O autor destaca a democracia liberal
como uma das mais poderosas utopias modernas. Seu objetivo é uma sociedade
capaz de cuidar para que os assuntos do Estado sejam dirigidos
corretamente e um tipo de Estado capaz de defender a sociedade contra os
excessos que o governo dos interesses dela pode acarretar.
Bauman destaca ainda, a possibilidade de uma segunda reforma
a qual daria origem ao “homem modulado”que a exemplo do móvel modulado, não tem
formato certo, predeterminado, mas um conjunto infinito de formas e expansões
possíveis. Pode ser definido como uma criatura com qualidades móveis,
disponíveis e cambiáveis.
Explica que o homem modulado é capaz
de se reunir em associações e instituições efetivas, sem que estas sejam
totalizantes, normatizadoras, estabilizadoras ou rígidas e que, com homens
modulados, tornam-se redundantes a tirania dos poderes coercitivos e a pressão
surda dos rituais.
Castoríadis,
Cornélius. Post Scriptum sobre a
Insignificância: entrevista a Daniel Mermet. São Paulo: Veras Editora, 2001
Filósofo, economista e psicanalista de origem grega, viveu
metade de sua vida na França. É considerado um dos maiores expoentes da
filosofia francesa do século XX. Em 1949, com Claude Lefort, fundou o grupo Socialismo
ou Barbárie, que deu origem a uma revista que circulou em 1967. A
partir de 1980, demarca com mais nitidez os perigos que a fragmentação dos
conhecimentos veio produzindo, decompondo as idéias políticas e reduzindo-as a
um economicismo vazio. Cornelius Castoriadis é considerado o filósofo da
autonomia. Favorável a mudanças radicais repetia: “Não filosofamos para salvar a revolução, mas para salvar nosso
pensamento e nossa coerência.” Entre
suas inúmeras obras destacam-se: Instituição
Imaginária da Sociedade, Encruzilhadas
do Labirinto, Socialismo ou
Barbárie.
Em sua fala, Castoríadis reforça o sentido da participação e
da liberdade, recolocando o papel dos cidadãos e da competência de cada um para
exercer os direitos e deveres democráticos com a finalidade de sair do
conformismo generalizado, numa época de retorno ao liberalismo de mercado e de
esgotamento ideológico.
Para ele, o que caracteriza o mundo contemporâneo, são as
crises, as contradições, as oposições, as fraturas, mas sobretudo, a
insignificância, detectada tanto no pensamento de esquerda como no pensamento
neoliberal.
Afirma que a classe política não tem nenhum programa e que
sua finalidade é ficar no poder ou retornar ao poder sendo capazes, para isso,
de qualquer coisa. Se necessário,
vira-se a casaca, porque percebe-se que as histórias contadas para chegar ao
poder não são aplicáveis.
Explica que para se fazer política são necessárias duas
capacidades que não tem relação entre si. A primeira é chegar ao poder. A
segunda consiste em, uma vez estando no poder, com ele fazer alguma coisa, ou
seja, governar. E complementa afirmando que nada garante que alguém que sabe
governar saiba por isto chegar ao poder.
Castoríadis afirma que o que vivemos
hoje é uma pseudodemocracia, pois democracia representativa não é democracia.
Eles [os
políticos] representam a si mesmos ou
representam interesses particulares. Segundo ele, dizer que alguém nos representará por cinco anos de maneira
irrevogável equivale a dizer que abrimos mão de nossa soberania enquanto povo.
Citando Rosseau, reforça esta ideia: “os ingleses crêem que são livres porque
elegem representantes a cada cinco anos, mas só são livres um dia a cada cinco
anos, o dia da eleição.” Mas até nisso, comenta, não são livres. “A eleição é
fraudada não porque se violem as urnas, é fraudada porque as opções são
definidas de antemão. Ninguém perguntou ao povo sobre o que ele quer votar.”
(p. 30)
Para o autor, a exemplo do que
afirmou Aristóteles, cidadão é quem é capaz de governar e ser governado. No
entanto, esclarece que o que há é uma contra-educação política e que enquanto
as pessoas deveriam habituar-se a exercer todas as espécies de
responsabilidades e a tomar iniciativas, habituam-se a seguir opções que outros
lhes apresentam. Podemos destacar aqui, o conceito de heteronomia usado por
Bauman, ou seja, a sujeição de um indivíduo à vontade de terceiros.
Afirma ainda, que vivemos hoje uma
época de dissolução das ideologias. Explica que nas sociedades modernas havia
ainda um conflito social e político vivo, as pessoas se opunham, se manifestavam
e que hoje o que se vê é um recuo das pessoas, por acharem que não vale a pena
se envolver, que nada se pode fazer.
Questionado sobre por que não há
oposição ao liberalismo, afirma que existe hoje uma espécie de terrorismo do pensamento único, de um não
pensamento, um pensamento liberal único ao qual ninguém ousa opor-se.
Assim como Bauman, Castoríadis só
vê possibilidade de transformação a partir do ressurgimento de uma potente
crítica do sistema e do renascimento da atividade das pessoas, de sua
participação na coisa comum.
Sobre a formação do cidadão
generalista e do cidadão especialista para exercer a política, explica: “A
política não é um assunto de especialistas. Não há ciência da política.” (p.40)
Portanto, complementa afirmando que são necessários técnicos que dêem
assessoria aos políticos, mas que estejam a favor do povo e não compactuando
com os políticos. E as pessoas aprendendo a governar, governando.
Completando esta ideia, enfatiza que as pessoas
precisam ser educadas na coisa pública, que as escolas precisam ensinar as
coisas públicas como as leis, e acrescenta: “seria preciso ensinar uma
verdadeira anatomia da sociedade contemporânea: como ela é, de que modo
funciona. (p. 44)
Quando perguntado sobre junto de
quem e contra quem lutaria, Castoríadis responde que lutaria junto a todo mundo
e contra o sistema. Afirma que a sociedade capitalista hoje é uma sociedade que
corre para o abismo, porque é uma sociedade que não sabe autolimitar-se. E
conclui falando sobre liberdade citando Tucídides: É preciso escolher: ou
descansar ou ser livre. E complementa: “liberdade é atividade, e a atividade
que sabe colocar seus próprios limites.” (p.54).
quarta-feira, 2 de abril de 2014
O Mundo da Pseudoconcreticidade e sua Destruição
Karel Kosik foi um militante e filósofo marxista de origem tcheca. Uma das suas principais e
notáveis obras é o livro Dialética do Concreto, publicado em 1963 que lhe valeu reputação
internacional como um dos mais importantes filósofos do marxismo humanista, obra
da qual fora extraído o texto que passamos a sintetizar.
O mundo da pseudoconcreticidade diz respeito a
existência autônoma dos produtos do homem e a redução destes ao nível da práxis
utilitária.
De acordo com o autor, a atitude primordial do
homem sobre os fatos, coisas e situações não é a de um sujeito cognoscente, ou
seja, daquele que toma conhecimento e examina a realidade para depois inferir
uma ideia, mas de um ser prático agindo sobre a realidade de forma objetiva a partir de seus interesses imediatos.
Desta forma, “o indivíduo cria suas próprias representações
das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade”,
(p.10) distanciando-se da essência, da compreensão das coisas e da realidade. O
fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, esconde. A essência se manifesta
no fenômeno, mas de modo inadequado, parcial ou apenas sob certos ângulos e
aspectos.
Ao mundo da peseuconcreticidade pertencem: o
mundo dos fenômenos externos, que se desenvolve a parte dos processos
essenciais, o mundo das coisas fetichizadas; o mundo das representações comuns
e o mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de serem coisas naturais.
O mundo que é apresentado ao homem não é o
mundo real, é o mundo das aparências embora esse mundo tenha fundamento e seja
considerado como real. Para perceber a estrutura das coisas ou a “coisa
em si” é necessário um esforço e um desvio e para isso é necessário que o
homem, já antes e iniciar qualquer investigação, tenha consciência do fato de que existe algo suscetível de ser
definido como estrutura da coisa e de que existe uma oculta verdade da coisa.
O processo dialético emerge como condição de
desreificar os fatos e fenômenos. A coisa. Como a essência não se manifesta
diretamente, deve ser descoberta mediante uma atividade peculiar,
aí entrando o trabalho da ciência e da filosofia.
O conhecimento é a própria dialética em uma das
suas formas, é a decomposição do todo, sem a qual não há conhecimento. Assim, o
pensamento que destrói a pseudoconcreticidade é um processo do qual “sob o
mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência externa se desvenda
a lei do fenômeno; por trás do movimento visível, o movimento real interno; por
trás do fenômeno, a essência.” (p. 16)
A realidade- muito bem destacada pelo autor-
oculta pela pseudoconcreticidade, é o mundo da práxis humana. É a compreensão
da realidade humano-social como unidade de produção e produto, de sujeito e
objeto, de gênese e estrutura. O mundo real não é portanto, um mundo de objetos
“reais” fixados. É um processo de curso no qual a humanidade e o indivíduo
realizam a própria verdade, é um mundo em que a verdade não é dada e
predestinada, não está pronta e acabada. “A destruição da pseudoconcreticidade
significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para
sempre, mas que ela se faz; logo se desenvolve e se realiza". (p. 19)
terça-feira, 1 de abril de 2014
Diferenças, Aprendências e Resistências em Tempo de Escola para Todos
Diferenças, Aprendências e Resistências em Tempo de Escola para Todos
Pensar em inclusão passa por pensar em uma série de atravessamentos e compreensões que vamos construindo nas relações sociais que estabelecemos. Avaliar como pensam os professores e percebem a diferença em sala de aula parece ser análise relevante para o melhor entendimento de questões como aprendizagem e desenvolvimento de sujeitos que necessitam da interação sem que lhe sejam negadas suas especificidades. Perceber que existem diferentes maneiras de olhar a diferença pode explicar porque para um mesmo sujeito podem-se entrever possibilidades ou dificuldades.
A sociedade, e a escola como produção desta, definiram ao longo do tempo padrões, normalizações, lugares e posições que embora pareçam produções naturais são criações sociais que definem e subjetivam o outro. Temos aí, os que aprendem e os que não aprendem, os que possuem condições de, e os que não acompanham, os inteligentes e os fracassados, os que avançam e os repetentes, os destaques e as escórias.
Uma escola competente é a que forma indivíduos competentes. Competência lida aqui como a capacidade de se sobressair, de competir, de formação do indivíduo cientificamente preparado dotado de habilidades cognitivas que permitam o acesso aos bens produzidos e de capacidade de construir inteligentemente meios de sobrevivência. Desvaloriza-se e menospreza-se, na maioria das vezes, habilidades outras que não estas. A cognição como capacidade que encontra-se no topo da pirâmide educacional, estando todas as demais habilidades numa escala inferior.
O sentido que se dá, assim para competência é também uma invenção social, enredada em fortes relações de poder definida por um eu superior, "normal", impositivo.
Quando o professor se refere ao aluno dizendo "ele nao aprende", pode estar dizendo: ele não aprende o que lhe estou ensinando, da forma como eu estou lhe ensinando e no tempo que estou determinando, o que não é por si só, condição para o fracasso.
Esvaviar-se dessa construção negativa dos sujeitos em situação de aprendizagem, é entender que o discurso da não aprendência é um discurso inócuo, vazio, acientífico e que revertê-lo pressupõe desnaturalizar verdades, rever conceitos e buscar alternativas de (im)permanência dos modos de ser e estar em sala de aula, "é pensar que os diferentes aprendem de uma forma peculiar e que mais do que diagnósticos precisamos problematizar e negociar outras representações para estes sujeitos. Representações que nos permitam pensar e ver como legítimas outras formas de ensinar e aprender indicadas pelos próprios sujeitos, forjadas nas relações com esses grupos culturais" [Fabris e Lopes, 2000].
Nesse sentido, a diferença precisa ser lida não como oposto de igualdade. O que é diferente, não é pois aquilo que não é igual, mas aquilo que não busca a homogenização no mesmo, mas quer manter e ver reconhecidas suas especificidades. Não é algo a ser eliminado, completado, ou corrigido. Não sao, os diferentes, sujeitos que devam apenas serem respeitados ou tolerados, uma vez que são estes, princípios fundamentais à todo ser humano.
O próprio termo inclusão remete a algo que estaria fora. Não se nega aqui, a existência desse fato, o que se propõe é a problematização de questões para as quais não existem embates. O problema da diferença não está posto no seu âmago, uma vez que sendo todos diferentes, é um signo da humanidade, mas reside na construção social e na compreensão desta enquanto falta, incompletude, algo a ser tolerado. O diferente traz em si, aquilo que eu igual não desejo, e que como tal precisa ser corrigido, modificado, normalizado para que este possa, como eu, estar dentro, fazer parte.
Para normalizar é preciso portanto, reforçar no aluno aquilo que lhe falta, trabalhar conceitos e habilidades que este ainda não alcança, recuperar. Ou quando isto não acontece, repetir, até que este consiga um mínimo necessário ou quando, percebendo-se que não atingirá o esperado, empurrá-lo para a série seguinte. Assim perpetua-se na escola espaços de não aprendizagem para os diferentes e reforça-se o estigma de fracassado que passa a fazer parte da identidade desses alunos.
Não se trata aqui de negar os déficits cognitivos. Eles existem. Não se trata também de induzir ao abandono intelectual aqueles que, por algum motivo não apresentam condições de aprendizagem da forma como acontece com a maioria dos alunos que recebemos em nossas escolas. Trata-se sim, da não generalização do termo deficiência. Ninguém é deficiente em tudo e todas as deficiências são singulares. É necessário, pois abrir espaços e apresentar possibilidades de avanço, buscando formas alternativas que não estejam vinculadas a um padrão. Trabalhar os sujeitos como seres únicos e aprendentes em potencial, desde que sejam reduzidas as ações de enquadramento e dadas as condições devidas para a aprendizagem, ultrapassando como nos diz Paulo Freire, a consciência ingênua que faz do nosso fazer pedagógico um ato descompromissado, sem reflexão, sem crítica, atrelado à permanência e à tradição.
Bibliografia:
LOPES, Maura Corcini; DAL'IGNA, Maria Claudia (org.) In/Exclusão: Nas Tramas da Escola. Editora ULBRA, Canoas, 2007
domingo, 29 de setembro de 2013
Avaliação da Aprendizagem na Escola
Algumas ideias sobre avaliação da aprendizagem em conversa com os professores da Escola de Educação Básica Francisco de Campos.
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
Ciências Sociais, Violência Epistêmica e a Invenção do Outro
A leitura original a qual precede a esta postagem encontra-se disponível no link abaixo. Trata-se de uma reflexão do filósofo colombiano Santiago Castro Gómez acerca da construção de identidades na modernidade e na pós modernidade.
Fiz um link desta leitura com a de um post já publicado aqui, no qual trago uma reflexão sobre histórias únicas, estereótipos e outros enquadramentos, análise feita a partir do vídeo que trata da leitura da escritora nigeriana Chimamanda Adichie sobre histórias únicas que lhe foram contadas e de como isso pode interferir na formação de povos, culturas e sujeitos, dificultando a comunicação intercultural.
Texto e vídeo, nesta entrada:
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Curso Salto para o Futuro - Atendimento Educacional Especializado
Nos dias 06 e 07 de novembro, a convite da querida Maristela Zuquelo, coordenadora do Programa Salto para o Futuro, participei de uma das etapas de formação sobre o Atendimento Educacional Especializado. Dentre as falas, abordei sobre o funcionamento, a caracterização, os objetivos, a fundamentação legal e teórica e as estratégias de intervenção para os alunos matriculados no Serviço de Atendimento Educacional Especializado - SAEDE realizado na Apae de Curitibanos.
O Serviço de Atendimento Educacional Especializado tem por objetivo qualificar
a estrutura do pensamento do educando para o desenvolvimento dos processos mentais superiores, através de
metodologias, estratégias e recursos pedagógicos, que possibilitem a
apropriação do conhecimento científico. Dentre as questões trabalhadas estão às relacionadas à: autonomia, diferentes
formas de linguagem, concentração, atenção, memória, organização, análise
e síntese, classificação, comparação, orientação
espacial e temporal, resolução
de problemas e textualidade.
Dentre as estratégias sugeridas destacamos o trabalho com blocos lógicos, jogos psicopedagógicos e mapas conceituais.
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