sábado, 3 de outubro de 2015

Oficina "Blocos Lógicos" apresentada na Primeira Semana Inclusiva da APADAC

Material produzido para a Primeira Semana Inclusiva organizada pela APADAC de Curitibanos com base no livro Blocos Lógicos de Úrsula Marianne Simons



quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Participação em webconferência

De iniciativa da professora Cleide do Nascimento Carlos, professora orientadora da disciplina de Português, da Escola  Maria José Santos Ferreira Gomes do município de Sobral - Ceará,  aconteceu na tarde de hoje uma webconferência, onde participei propondo aos professores algumas reflexões  sobre educação, sala de aula, processo de ensino e aprendizagem, avaliação e relação professor/aluno. O convite partiu da leitura pela professora de uma reflexão, na qual trago uma releitura do livro "Pinóquio as Avessas" de Rubem Alves. O título da obra se dá pelo entendimento de que, diferente de Pinóquio, que precisa ir a escola para virar gente e poder sonhar, em Pinóquio as Avessas,  o autor aponta para o perigo que correm nossas crianças ao ingressarem em escolas que não consideram  seu potencial e suas capacidades individuais e criativas, antes tentam enquadrá-las num sistema educacional rígido, conservador, anacrônico e sufocante.
Tentamos apresentar um panorama do paradigma tradicional de ensino e o paradigma atual, buscando sustentação na fala do próprio Rubem Alves e do consultor em assuntos educacionais Ken Robinson, ideias que apresentamos no vídeo que se segue a esta postagem.







segunda-feira, 1 de setembro de 2014

CONHECIMENTO, RACIONALIDADE E HISTORICIDADE

           As ideias presentes neste texto assentam suas bases no livro As Fronteiras da Epistemologia, do professor Luiz Carlos Bombassaro, o qual nos remete às primeiras formulações acerca do tema, mas que ora, partindo de outras leituras e de nossas próprias, nos arriscamos a ampliar, partido principalmente das formulações de Vygotsky, acerca da teoria sócio-histórica.
Consideremos para início dessa exposição o significado da palavra conhecimento. Segundo Cruz (2002), para a filosofia existem dois tipos de conhecimento, o conhecimento vulgar ou conhecimento do senso comum que é o conhecimento do que, e o conhecimento científico, que é o conhecimento do por que.
Para o autor, a diferença entre esses dois tipos de conhecimento não está nos objetos conhecidos, mas no modo de conhecê-los. Reside principalmente no conhecimento das causas, já que o conhecimento vulgar apenas constata a ocorrência dos objetos, enquanto que o conhecimento científico sabe o porquê eles existem.
É comum associarmos conhecimento como um ato da razão, entendendo que é por meio dela que o sujeito cognoscente apreende o real, encadeando ideias e juízos, para chegar a uma conclusão. Era através da razão também, que os gregos buscavam a superação do mito ou do saber comum.
Como conceito de razão podemos dizer que “a razão é a faculdade que calcula, mede, julga, deduz, compara, relaciona e coordena os meios com os fins, ou seja, é a faculdade que possibilita o funcionamento abstrato do mecanismo de pensamento” (HORKHEIMER, 1976, p.11)
Nas palavras do professor Bombassaro, (1992, p.14) “Assim, dizer do homem que ele é racional, marcado originalmente pela racionalidade, é o mesmo que atribuir-lhe a capacidade de poder dar razões, de poder argumentar discursivamente.”
No entanto, como alerta o professor, o conhecimento não se limita a uma atividade intelectual, ele é historicamente situado, uma vez que o processo de construção do conhecimento surge como forma de solucionar determinados problemas, explicar situações e fenômenos.
A capacidade criativa do homem se expande a cada novo desafio encontrado, a começar pela descoberta do fogo, seguindo-se a descoberta da pólvora, as grandes navegações, à revolução da indústria e uma infinidade de outras criações que surgem a partir de uma necessidade particularmente humana.
Nos voltando para a questão da historicidade por um viés mais psicológico, chegamos aos estudos do psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky. Para Vygotsky, o homem é essencialmente social e seu desenvolvimento está condicionado às relações que estabelece com o meio.
As concepções deste teórico sobre o funcionamento do cérebro humano fundamentam-se na ideia de que as funções psicológicas superiores são construídas ao longo da história social do homem. Na sua relação com o mundo, mediada pelos instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano cria as formas de ação que o distinguem de outros animais. Assim, o cérebro humano não seria caracterizado como um sistema fechado, fixo e imutável, mas condicionado e moldado ao longo da história.
As postulações de Vygotsky sobre o substrato biológico do funcionamento psicológico evidenciam a forte ligação entre os processos humanos e a inserção do indivíduo num contexto sócio histórico específico. Instrumentos e símbolos construídos socialmente definem quais das inúmeras possibilidades de funcionamento cerebral serão efetivamente concretizadas ao longo do desenvolvimento e mobilizadas na realização de diferentes tarefas. (LA TAILLE, 1992, p.26)
 Se pensarmos no processo de desenvolvimento de uma criança, temos o meio como o mais importante elemento deste processo. A qualidade dos estímulos que uma criança recebe é preponderante para o amadurecimento do seu sistema nervoso central, sem os quais, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e a capacidade de formular conceitos estaria seriamente comprometida.
Para Vygostsky, apud. La Taille et all. (1992, p. 24) “a cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem.”
Quando uma mãe adverte uma criança para que não coloque a mão no fogo porque queima e ela obedece, podemos perceber a função de um mediador social histórico na apropriação de um conhecimento. Assim, grande parte da ação do homem no mundo e dos conhecimentos produzidos é mediada pela experiência do outro, pela informação apresentada por outra pessoa. Um indivíduo não precisa viver tudo de primeira mão e isso é essencial para os processos de crescimento histórico, uma vez que de outra forma, cada pessoa teria que estar começando sempre, tudo do zero.
A cultura funciona desta forma, como uma espécie de alargador das potencialidades humanas. Assim, se pelas possibilidades biológicas, por exemplo, o homem anda, mas não voa, pela cultura, essa possibilidade se torna real.
Constituindo-se sujeito nas e pelas interações que estabelece, esta formação passa pelo significado que o outro dá às estas ações, mas além disso, o próprio significado que o outro dá a essas ações é produto de todo um processo histórico e cultural. Através da mediação do outro nos transformamos de ser biológico em ser cultural.
Assim, uma questão que levantamos partindo desse arcabouço teórico, é se a própria racionalidade humana não estaria condicionada ao aspecto social. Neste viés interpretativo, nossa capacidade de entender, enunciar, argumentar e abstrair, próprias daquilo que se diz racional, além de serem constitutivas do homem, como capacidades inatas, só se desenvolveriam a medida que este fosse confrontado social e historicamente, processo este possibilitado inicialmente por meio da linguagem.
Podemos destacar como exemplo disso o caso dos meninos lobo encontrados na Índia em 1911 que nunca chegaram a alcançar o nível normal de desenvolvimento, o caso de Caspar Houser, adolescente de cerca de 15 anos, encontrado em Nurembergue, tomado como referência sobre estudos acerca de linguagem e realidade, dentre muitos outros casos espalhados pelo mundo que comprovam a tese de que em ambiente inumano o aparato biológico por si só, não possibilita o exercício das condições próprias da espécie  aprendidas e acomodadas socialmente.
A racionalidade, no pensamento de um sujeito, não está isolada e acompanha-se da capacidade de emoção, do sentimento estético, de preocupações metafísicas, religiosas, do exercício da vontade, de projetos, de escolha de valores, de uma cultura, de uma representação do mundo, segundo disposições próprias a cada indivíduo.
Se nos reportarmos a etimologia do termo, razão vem do latim rationem, que significa cálculo, conta, medida, regra. E a própria noção de medida ou regra remete a cultura, à valores, à aquilo que é considerado aceitável num determinado espaço e num determinado tempo.
Para Habermas, apud Alves (2009, p.182)
Não há nenhuma concepção neutra da racionalidade, dado que o nosso conhecimento de mundo pressupõe valores. O “saber em que” tal ou tal coisa consiste está implicitamente ligado a um “saber porque” e reenvia nesse sentido às justificações potenciais. [...] Em outros termos, a gramática do termo “saber” implica que tudo aquilo que nós sabemos pode ser criticado e justificado.
Assim, a razão não é apenas uma faculdade interior do homem, mas ela se personificou nos próprios signos da sociedade. Para que uma opinião seja dita racional, basta que ela seja aceita por boas razões no interior de um contexto de justificação, ou de outra forma, “a racionalidade de um julgamento não implica sua verdade, mas apenas sua aceitabilidade fundada dentro de um contexto dado” (op cit).
Racionalidade e historicidade são pois, dois traços em estreita correlação que constituem a amálgama humana,  pois só enquanto dotado do logos o homem é capaz dizer o mundo, mas esta habilidade não se faz isolada da realidade histórico social. Do contrário, afeta e é afetada por ela.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALVES, Marco Antonio Souza. Racionalidade e Argumentação em Habermas. Kínesis, Vol. I, n° 02, Outubro-2009, p. 179 - 195
BOMBASSARO, Luiz Carlos. As fronteiras da epistemologia: uma introdução ao problema da racionalidade e da historicidade do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1992
CARVALHO, Fábio. Gestão do Conhecimento. São Paulo: Editora Pearson, 2012.
CRUZ, TadeuGerência do Conhecimento. São Paulo: Editora Cobra, 2002.
HORKHEIMER, Max. Eclipse da Razão. Rio de janeiro: Labor do Brasil, 1976.
LA TAILLE, Yves de. OLIVEIRA, Marta Kohl de. DANTAS, Eloysa. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992


quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Eu Maior

Eu Maior é um documentário que reúne depoimentos de ambientalistas, espiritualistas, filósofos, artistas e cientistas sobre a vida e a felicidade. Trata das nossas dúvidas existenciais e da nossa relação com a gente mesmo, com o outro e com o universo. Resumindo, discute como podemos nos tornar maiores e nos elevarmos além da nossa condição física e terrena.
Dentre as várias coisas que nos faz pensar, nos questiona sobre o que nos apequena e o que nos engrandece, o que buscamos, qual o nosso problema, qual a solução, o que nos satisfaz, o que ou quem sou eu, o que quero que vejam de mim, o que o outro representa na minha vida,  que compreensão, que consciência tenho do mundo...
Entre os vários depoimentos, um do psicólogo Roberto Crema traduz exatamente a necessidade desse autoconhecimento. " A prisão é Maia. É a ilusão. É eu não saber quem eu sou, de onde venho e para onde eu vou. A liberdade é precisamente a pessoa tomar consciência. Ser capaz de ser o autor da própria existência." 
Em tempos de tantas especulações sobre a tal felicidade, arrisco dizer que o autoconhecimento seja aquilo que talvez mais se aproxime dela. Isso porque nosso nível de insatisfação diminui quando começamos descobrindo onde estão os nossos problemas. Esse é um passo fundamental, sem o qual solução nenhuma será encontrada. 
Conhecer-se, ser maior, crescer além da condição financeira e material. Essa é a proposta de reflexão do documentário. O que cada um sabe de si é condição fundamental para definir o que os outros sabem e dizem a seu respeito. E o que dizem a seu respeito não tem a ver com o que você fala de si, mas com o que você fala dos outros.  É através das suas palavras amorosas ou das suas declarações injuriantes que os outros saberão exatamente quem é você – pouco importando o que você diga sobre si mesmo. 
Portanto, continuemos a saga da maior viagem que podemos empreender. Aquela em que  tomamos nossa mochila e seguimos para o interior de nós mesmos.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Gênero, sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista.

SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, vol. 20, nº 2, jul./dez. 1995

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. São Paulo:Vozes, 1997.
Este trabalho se propõe a apresentar as ideias das referidas autoras quanto a temática de gênero em seus atravessamentos e transversalidades.
Em Gênero, Sexualidade e Educação, a autora apresenta conceitos e teorias no campo dos estudos feministas e suas relações com a educação, estuda as relações do gênero com a sexualidade, as redes do poder, raça, classe, a busca de diferenciação e identificação pessoal e suas implicações com as práticas educativas atuais.
Já em Gênero: uma categoria útil de análise histórica, a ideia nuclear é a de que gênero é usado para enfatizar o cunho social das diferenças entre os sexos e que o termo possibilita um rompimento com o estigma do sexo.
Guacira Lopes Louro inicia propondo um rompimento com o pensamento dicotômico masculino em oposição ao feminino, alegando que esta é uma visão reducionista e que as relações de gênero se produzem na e pelas relações de poder.
Scott também evidencia as relações entre gênero e poder, alegando que ainda que não seja o único campo de articulação do poder, o gênero é a primeira instância dentro da qual, ou por meio da qual, o poder se articula. Afirma que os conceitos de gênero estruturam a percepção e a organização de toda a vida social, influenciando as concepções, as construções, a legitimação e a distribuição do próprio poder.
Para essa autora o gênero implica quatro elementos relacionados entre si:
1)      símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações múltiplas;
2)      conceitos normativos que colocam em evidência a interpretações do sentido dos símbolos. Esses conceitos são expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas
3)      noção de fixidade da categoria de gênero ao sistema de parentesco, impossibilitando uma visão mais ampla que abarque a realidade da sociedade, das relações de trabalho, da educação, dos sistemas políticos, da economia, etc.
4)      identidade subjetiva: o gênero torna-se implicado na concepção na construção do poder em si, sendo ainda, um meio de decodificar o sentido e de compreender as relações complexas entre diversas formas de interação humana.

No primeiro capítulo de seu livro, Guacira procede a uma construção histórica sobre o termo e suas representações mais significativas. O conceito de gênero para a autora, está diretamente ligado a história do movimento feminista, implicado lingüística e politicamente em suas lutas. Scott reafirma a questão da produção do conceito enfatizando que seu sentido foi importado da gramática, passando mais tarde a referir-se à organização social das relações entre os sexos, realçando-se o caráter cultural das distinções baseadas no sexo.
O sufragismo,é caracterizado por Gaucira como a “primeira onda” importante do movimento feminista. No final da década de 1960, além das preocupações sociais e políticas, dá-se inicio as contruçoes propriamente teóricas, sendo engendrado e problematizado o conceito de gênero caracterizando-se assim a “segunda onda.” No Brasil, foi no final dos anos 80 que as feministas começam a usar o termo gênero.
“Militantes feministas participantes do mundo acadêmico vão trazer para o interior das universidades e escolas questões que as mobilizavam, impregnando e "contaminando" o seu fazer intelectual — como estudiosas, docentes, pesquisadoras — com a paixão política. Surgem os estudos da mulher.” (LOURO, 1997, p.16). Segundo a autora, tornar visível aquela que fora ocultada foi o grande objetivo das estudiosas feministas desses primeiros tempos.
Sobre isso Scott faz uma crítica aos trabalhos que utilizam o termo gênero para abarcar as mulheres sem referenciá-las explicitamente. Essa tentativa de despolitizar a inclusão das  mulheres na história seria fruto, segundo ela, de uma tentativa de legitimação acadêmica.
Também critica as pesquisas que apesar de analisarem as relações sociais entre homens e mulheres atém-se somente ao estudo de certos setores da organização social, como a família, a reprodução, as ideologias de gênero. Estas pesquisas realçam o mero uso do termo gênero, sem uma mudança de perspectiva teórica, o que faz com que estes trabalhos continuem a estudar “as coisas relativas às mulheres”, de forma descritiva, sem que se questione porque as relações entre homens e mulheres estão construídas como estão,.
Para Guacira, uma das mais significativas marcas dos Estudos Feministas foi seu caráter político. “Objetividade e neutralidade, distanciamento e isenção, que haviam se constituído, convencionalmente, em condições indispensáveis para o fazer acadêmico, eram problematizados, subvertidos, transgredidos.”(LOURO, 1997, p.19)
O argumento da diferenciação biológica passa a ser cada vez mais um argumento irrecorrível.  É preciso demonstrar que não é esta a origem da diferenciação, mas “a forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histórico.” (LOURO, 1997, p.21)
            A pretensão, segundo a autora é então, entender o gênero como constituinte da identidade dos sujeitos e sobre isso destaca que as identidades dos sujeitos não podem ser entendidas como fixas, estáveis, como essências. “Ao contrário são atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas, construindo os sujeitos como masculinos ou femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais.” (LOURO, 1997, p.28)
Enquanto que na obra de Scott a autora passa a analisar três posições teóricas na análise do gênero, quais sejam, as teóricas do patriarcado, as marxistas, e as de base psicanalítica, Guacira discute os atravessamentos entre gênero, sexualidade e poder com argumentos baseados nas teorias de Michael Foucault, o qual analisa as relações de poder e suas construções, que perpassam também pelas relações de gênero. A autora discute essas relações a partir dos aspectos de desigualdades e diferenças, pontos norteadores do gênero na contemporaneidade e questiona buscando uma análise mais crítica do assunto sobre o que é referência, quem são os diferentes, quem instituiu essa padronização, o que é normal, o que é diferente, e principalmente, quais as relações de poder que envolvem a permanência dessas referências.
  Sobre os posicionamentos teóricos, Scott apresenta a ideia de que as teóricas do patriarcado defendem uma adaptação da teoria hegeliana, focando a teoria em suposta necessidade dos homens em subordinar as mulheres para fins de controlar os meios de reprodução da espécie. Em outras palavras, garantir que seus herdeiros sejam de fato seus. Para essa corrente, revoluções tecnológicas que eliminem a necessidade do corpo feminino para a reprodução seria o caminho da libertação feminina.  Ainda na “abordagem patriarcal”, há aquelas que defendem ser o controle da sexualidade escopo do patriarcalismo. A sexualidade feminina seria reificada na mesma proporção que o trabalho masculino. A consciência dessa experiência de reificação, dessa vivência comum, levaria as mulheres à ação política.
Crítica de Scott:  A teoria de patriarcado desenvolve-se em cima das distinções físicas entre os sexos. Ao analisar essa única variante como fonte de toda desigualdade de gênero, “a história  se torna um epifenômeno que oferece variações  intermináveis sobre o tema imutável de uma desigualdade de gênero fixa”. (SCOTT, 1995, p.29)
As feministas marxistas têm uma abordagem mais histórica, já que elas são guiadas por uma teoria da história. Os primeiros debates entre as feministas marxistas giravam em torno da rejeição do essencialismo daqueles que defendem que “as exigências da reprodução biológica” determinavam a divisão sexual do trabalho pelo capitalismo.
Adentrando o viés da sexualidade e da psicologia, o volume de ensaios “ Powers of Desire”, 1983, foi uma tentativa, norteada pelos escritos de Foucault e pelo contexto da “revolução sexual”, de se entender as relações de gênero como interação entre “a sociedade e as estruturas psíquicas”. Segundo Scott, o único ensaio que aborda seriamente as questões teóricas propostas é o de Jéssica Benjamin.
Crítica de Scott: As dificuldades de desenvolvimento teórico encontram-se nas próprias limitações da matriz marxista, que acaba sempre subordinando o conceito de gênero ao de uma estrutura econômica, não tendo o gênero, seu próprio estatuto de análise.
            Na teoria psicanalítica duas escolas se destacam: a anglo-saxônica, que trabalha com a teoria das relações objetais, e a francesa, que se desenvolve a partir do pós-estruturalismo de Freud, nos termos da teoria da linguagem lacaniana. As escolas têm em comum o enfoque nas etapas de formação do indivíduo, sob perspectivas distintas.     
           A teoria das relações objetais defende que a identidade de gênero é formada a partir de experiências concretas, principalmente as vivenciadas domesticamente, como a divisão de trabalho familiar, a atribuição de tarefas entre os pais.  A teoria pós-estruturalista da linguagem se prende aos sistemas de significação, o que abarca não só as palavras, mas todo um sistema simbólico que se referenda no gênero.
Crítica de Scott: A teoria anglo-saxônica reduz a formação de identidade do sujeito a um círculo muito restrito, como se não houvesse, além da família, outros sistemas sociais que façam parte dessa construção. A escola francesa, ao entender o sujeito sexuado como unidade instável, em permanente construção a partir da oposição entre as significações masculino/feminino, articula castração com as relações sociais, mas tende a universalizar as categorias masculino-feminino, desconsiderando a especificidade e contexto histórico na construção da subjetividade e reforçando o caráter de oposição binária do gênero.
As duas autoras são unânimes na ideia de que reduzir gênero ao conceito de mulher é uma atitude simplista e que as várias categorias ou estruturas (raça, etnia, classe, gênero), não podem ser analisadas isoladamente, já que a opressão de uma está inscrita no interior da outra, onde “é preciso considerar gênero tanto como uma categoria de análise quanto como uma das formas que relações de opressão assumem numa sociedade capitalista, racista e colonialista” (LOURO, 1997, p.55).
Sobre a questão da diferença, Guacira traz uma ideia importante reforçando o que já discutira em outros momentos do texto, o fato de que por estar implicada em relações de poder, a diferença é sempre nomeada a partir de um determinado lugar que se coloca como referência e que a narrativa convencional vê o gênero como um molde social. Assim, a hegemonia branca, masculina, heterossexual e cristã, tem nomeado como diferentes aqueles e aquelas que não compartilham desses atributos.
Já, sobre a construção escolar das diferenças, Guacira nos leva a reflexão acerca de muitas situações e conceitos que são naturalmente apropriados pelos sujeitos e que, como alerta a autora precisariam se tornar alvo de atenção renovada, de questionamento e, em especial, de desconfiança, pelos pré-conceitos que comportam.
Segundo a autora, a escola ocidental moderna institucionaliza o processo de "fabricação" dos sujeitos sendo este geralmente muito sutil, quase imperceptível, reforçando as  desigualdades e diferenças. Os currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos, processos de avaliação e disciplina são constituídos e produtores das diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe, entre outros. O que nos leva a refletir sobre nossas práticas educacionais, como reforçamos e/ou produzimos estas dicotomias.
Na sequência, Guacira traz a discussão as relações com as diferenças na escola, destacando os mecanismos de classificação, ordenamento e hierarquização. Cita alguns posicionamentos fixados pela escola como o treino de habilidades manuais para as meninas, a separação nas atividades entre meninos e meninas, a diferenciação dos brinquedos e das atividades desportivas, a representação da família típica, a ambigüidade da expressão homem, a linguagem aparentemente inocente e desproposital. 
O campo da linguagem recebe especial atenção da autora. Suas reflexões nos conduzem a desnaturalizar algumas ideias que se cristalizam em nosso imaginário ganhando status de verdades absolutas. Passamos a considerar tudo isso de algum modo, como inscrito na "ordem das coisas”.
“A linguagem é, seguramente, o campo mais eficaz e persistente — tanto porque ela atravessa e constitui a maioria de nossas práticas, como porque ela nos parece, quase sempre, muito "natural". (LOURO, 1997, p.65)
“A linguagem não apenas expressa relações, poderes, lugares, ela os institui; ela não apenas veicula, mas produz e pretende fixar diferenças” (LOURO, 1997, p.65)
“A linguagem é um turbilhão e nos usa muito mais do que nós a usamos.” (LOURO apud Portinari, 1989, p. 18)
No quarto capítulo, Guacira inicia questionado sobre qual seria  o gênero da escola. Sua reflexão passa pela compreensão de que “a escola é atravessada pelos gêneros” (LOURO, 1997, p.89), o que é confirmado quando pensamos na feminilização do magistério (representação da professora assexuada, materna ou até solitária) ou na masculinização (quando da transmissão de conhecimentos).
Na verdade, também se trata de uma construção social, histórica e cultural dos sujeitos e da escola. A partir do gênero da escola, a autora questiona as atitudes patriarcais e sexistas no capítulo seguinte.
É nesse capítulo que a autora discute como promover uma educação não-discriminatória ou no mínimo menos discriminatória.
A importância desse aspecto na discussão do livro é de reforçar a necessidade de um olhar diferenciado, da necessidade de transpor barreiras e limites e contribuir para a construção de um conhecimento novo. Transformações que se efetivará a partir de políticas públicas e das práticas cotidianas. A partir daí discorre sobre a educação sexual e sobre como incluí-la na escola ou no currículo de forma a abranger o assunto com a importância que exige na contemporaneidade, ou seja, além de uma esfera puramente biológica.

No último capítulo, a autora discute sobre o feminismo afirmando que nenhuma ciência é desinteressada ou neutra. Como exemplo, cita que a ciência foi feita pelos homens,  brancos, ocidentais e de classe dominante que determinaram o que era importante, em geral. Portanto, as idéias apresentadas pela autora não representam “levantar bandeira” do feminismo, mas operar com categorias analíticas instáveis, movimentando-se em um meio teórico que está em constante construção e que acolhe a crítica como parte desta. “A proposta é, portanto, ir além dos estudos meramente atentos a um superficial e momentâneo interesse sobre mulher e gênero. O que se propõe são estudos que ultrapassem a simples adesão temática, pesquisas que se disponham a um mergulho teórico mais ousado – tarefa que certamente implica em desafios de outra ordem” (LOURO, 1997, p.152)

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Em Busca da Política / Post Scriptum sobre Insignificância


BAUMAN, Zygmunt. Em Busca da Política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000


Não iremos muito longe sem trazer de volta do exílio idéias como a de homem público,
da boa sociedade, da igualdade, da justiça e assim por diante - idéias que não fazem sentido senão cuidadas e cultivadas na companhia dos outros.
(Baumann, 2002, 16)

A ideia principal da obra Em Busca da Política é a de que a pós modernidade trouxe profundas mudanças no modo como vivem e se relacionam as pessoas, a individualidade se sobrepôs de ­forma implacável sobre o coletivo disseminando a discórdia e as penúrias e os sofrimentos contemporâneos estão fragmentados, dispersos e espalhados.
Não existe um centro, um núcleo, onde discussões a nível coletivo possam auxiliar na resolução de causas comuns, e o discurso neoliberal se apresenta como aquele quase impossível de combater.
Duas idéias fundamentais se destacam na obra: a de que a liberdade individual só pode ser produto do trabalho coletivo e a de que a identidade não é herdada. É preciso construí-la.
Na introdução, Bauman analisa algumas crenças contraditórias que perpassam boa parte da sociedade ocidental hoje, lembrando que as crenças não precisam ser coerentes para que acreditemos nelas, e destaca duas delas para tentar lançar uma nova luz sobre a perda de legitimidade que atinge crescentemente a ação política.
A primeira, diz respeito a questão da liberdade, a qual entendemos que está concluída, não necessitando, portanto, de irmos para a rua protestarmos por maior liberdade do que a que já temos. A segunda, nos faz pensar que pouco ou nada podemos mudar da realidade que aí está.
Segundo o autor, podemos fazer usos distintos desta realidade posta, que foram  definidos como uso cínico e uso clínico. No primeiro, tende-se a aceitar o mundo tal qual é, visando tirar dele o máximo de vantagem; já, saber utilizado de forma clínica nos ajuda a combater o que vemos de impróprio, perigoso ou ofensivo à moralidade.
O autor destaca ainda na introdução, problemas que dificultam transformações na sociedade e concorrem para a manutenção da ordem que aí está. Dentre estas, cita o conformismo generalizado, a falta de coragem, ações descentralizadas, envolvimento com tarefas que não possibilitam o exercício da reflexão e do questionamento, privatização da utopia e preocupação excessiva e fragmentada com problemas pessoais de modo que se torna difícil agrupá-los e condensá-los numa força política.
No primeiro capítulo, Bauman trata dos problemas que perturbam os instrumentos de ação política. Dentre estes destaca o medo, a frustração, a inconsistência da amizade e da solidariedade, disseminação da discórdia, a desconfiança e a hostilidade mútuas, não sacrifício da liberdade individual, perda da autoconfiança, ansiedade, insegurança, desesperança, apatia, agressividade, desinteresse por tudo que tenha caráter político, gerando deslocamento e exclusão (dada a multiplicidade de papeis que assumimos).
Sobre o liberalismo e a livre concorrência o autor afirma: “Os postulados da transparência e flexibilidade referem-se ao controle exercido pelos poderosos de imperar sobre as condições em que os outros, menos autoconfiantes, são forçados a escolher entre o modesto conjunto de opções que lhes resta ou submeter-se ao destino que lhes toca quando não há mais qualquer opção”. (p. 34)
Neste capítulo, o autor discute também a falta de causas comuns e de relevância entre as pessoas, enfatizando que o individualismo a que são conduzidas, leva cada um a defender seus próprios interesses, o que conduz inevitavelmente a um sentimento de insegurança existencial humana. “Os medos que cada um sente só podem ser contados, mas não compartilhados ou unidos numa causa comum com a qualidade nova da ação conjunta. Não há um caminho óbvio que leve dos terrores privatizados às causas comuns que podem se beneficiar do confronto e enfrentamento conjunto.” (p.54)
Há um esfriamento generalizado das relações humanas, insegurança e medo.         
A diminuição do poder do Estado faz com que as nações não se sintam seguras no abrigo que outrora foi a soberania política. “A soberania anda de muletas – coxa e vacilante. As autoridades do Estado nem mesmo fingem que são capazes ou desejam garantir a segurança dos que estão sob sua responsabilidade” (p. 47)
O sentido da vida, que antes estava vinculado ao ato de servir a nação, agora é transposto para o indivíduo, conduzindo cada um a buscar sua própria segurança e a consumir. Só o ego ficou. “Se não temos o alimento pelo qual ansiamos, o alimento espiritual, então acumularemos os bens deste mundo em vasta escala”. (p.49)
No segundo capítulo Bauman trata dos problemas relativos aos instrumentos existentes de ação política e as razões de sua decrescente eficácia. Para isso, inicia explicitando a relação entre medo e poder, alertando que o medo é utilizado por todos os sistemas religiosos para suprimir a pessoa e sua consciência. Citando Bakhtin, ressalta que segundo ele, esse medo cósmico era o protótipo do poder mundano e terrestre, sendo assim, fabricado, concebido e produzido sob medida.
Para o autor, os medos individuais dificilmente cruzam com outros medos privados e não se reconhecem facilmente quando há esse encontro. Essa dificuldade de se unirem e convergirem é o que Bauman denomina de liberdade individual. Mas questiona até que ponto somos livres, denominando a liberdade presente no nosso tempo de antiliberdade.
Isso porque a liberdade foi tolhida. Os legisladores fazem sua escolhas antes do indivíduo e lhe reduzem o leque de opções. A pós modernidade transformou o indivíduo de cidadão político em consumidor de mercado. A liberdade é ilusória, mas o que a impossibilita, sutil, e surge mais como um código disfarçado sob a forma de uma “oferta que não se pode recusar”, do que uma ordem. Consiste em induzir as pessoas a fazer de boa vontade o que têm de fazer.         
Para mudar isso, Bauman chama atenção para a imprescindibilidade da ágora, espaço público e privado ao mesmo tempo, em que “problemas particulares se encontram de modo significativo – isto é, não apenas para extrair prazeres narcisísticos ou buscar alguma terapia através da exibição pública, mas para procurar coletivamente alavancas controladas e poderosas (…) espaço em que as ideias podem nascer e tomar forma como bem público, sociedade justa ou valores partilhados. (p.11)
Assim, destaca a importância de que os movimentos de sociabilidade estejam de fato comprometidos com a mudança. Reforça que é preciso vencer a condição de conformismo generalizado em que nos encontramos, o que Bauman chama de auto-apologia da rendição do liberalismo (‘Este não é o melhor dos mundos imagináveis, mas o único mundo real’). É preciso retomar/recriar os espaços públicos e construir novos significados à nossa experiência nesse planeta.
            O último capítulo trata das perspectivas possíveis para a crise atual. O autor destaca a democracia liberal como uma das mais poderosas utopias modernas. Seu objetivo é uma sociedade capaz de cuidar para que os assuntos do Estado sejam dirigidos corretamente  e um tipo de Estado  capaz de defender a sociedade contra os excessos que o governo dos interesses dela pode acarretar.
Bauman destaca ainda, a possibilidade de uma segunda reforma a qual daria origem ao “homem modulado”que a exemplo do móvel modulado, não tem formato certo, predeterminado, mas um conjunto infinito de formas e expansões possíveis. Pode ser definido como uma criatura com qualidades móveis, disponíveis e cambiáveis.
            Explica que o homem modulado é capaz de se reunir em associações e instituições efetivas, sem que estas sejam totalizantes, normatizadoras, estabilizadoras ou rígidas e que, com homens modulados, tornam-se redundantes a tirania dos poderes coercitivos e a pressão surda dos rituais.


Castoríadis, Cornélius. Post Scriptum sobre a Insignificância: entrevista a Daniel Mermet. São Paulo: Veras Editora, 2001

Filósofo, economista e psicanalista de origem grega, viveu metade de sua vida na França. É considerado um dos maiores expoentes da filosofia francesa do século XX. Em 1949, com Claude Lefort, fundou o grupo Socialismo ou Barbárie, que deu origem a uma revista que circulou em 1967. A partir de 1980, demarca com mais nitidez os perigos que a fragmentação dos conhecimentos veio produzindo, decompondo as idéias políticas e reduzindo-as a um economicismo vazio. Cornelius Castoriadis é considerado o filósofo da autonomia. Favorável a mudanças radicais repetia: “Não filosofamos para salvar a revolução, mas para salvar nosso pensamento e nossa coerência.”  Entre suas inúmeras obras destacam-se: Instituição Imaginária da Sociedade, Encruzilhadas do Labirinto, Socialismo ou Barbárie.

Em sua fala, Castoríadis reforça o sentido da participação e da liberdade, recolocando o papel dos cidadãos e da competência de cada um para exercer os direitos e deveres democráticos com a finalidade de sair do conformismo generalizado, numa época de retorno ao liberalismo de mercado e de esgotamento ideológico.
Para ele, o que caracteriza o mundo contemporâneo, são as crises, as contradições, as oposições, as fraturas, mas sobretudo, a insignificância, detectada tanto no pensamento de esquerda como no pensamento neoliberal.
Afirma que a classe política não tem nenhum programa e que sua finalidade é ficar no poder ou retornar ao poder sendo capazes, para isso, de qualquer coisa. Se necessário, vira-se a casaca, porque percebe-se que as histórias contadas para chegar ao poder não são aplicáveis.
Explica que para se fazer política são necessárias duas capacidades que não tem relação entre si. A primeira é chegar ao poder. A segunda consiste em, uma vez estando no poder, com ele fazer alguma coisa, ou seja, governar. E complementa afirmando que nada garante que alguém que sabe governar saiba por isto chegar ao poder.
Castoríadis afirma que o que vivemos hoje é uma pseudodemocracia, pois democracia representativa não é democracia. Eles [os políticos] representam a si mesmos ou representam interesses particulares. Segundo ele, dizer que alguém nos  representará por cinco anos de maneira irrevogável equivale a dizer que abrimos mão de nossa soberania enquanto povo. Citando Rosseau, reforça esta ideia: “os ingleses crêem que são livres porque elegem representantes a cada cinco anos, mas só são livres um dia a cada cinco anos, o dia da eleição.” Mas até nisso, comenta, não são livres. “A eleição é fraudada não porque se violem as urnas, é fraudada porque as opções são definidas de antemão. Ninguém perguntou ao povo sobre o que ele quer votar.” (p. 30)
Para o autor, a exemplo do que afirmou Aristóteles, cidadão é quem é capaz de governar e ser governado. No entanto, esclarece que o que há é uma contra-educação política e que enquanto as pessoas deveriam habituar-se a exercer todas as espécies de responsabilidades e a tomar iniciativas, habituam-se a seguir opções que outros lhes apresentam. Podemos destacar aqui, o conceito de heteronomia usado por Bauman, ou seja, a sujeição de um indivíduo à vontade de terceiros.
Afirma ainda, que vivemos hoje uma época de dissolução das ideologias. Explica que nas sociedades modernas havia ainda um conflito social e político vivo, as pessoas se opunham, se manifestavam e que hoje o que se vê é um recuo das pessoas, por acharem que não vale a pena se envolver, que nada se pode fazer.
Questionado sobre por que não há oposição ao liberalismo, afirma que existe hoje uma espécie  de terrorismo do pensamento único, de um não pensamento, um pensamento liberal único ao qual ninguém ousa opor-se.
Assim como Bauman, Castoríadis só vê possibilidade de transformação a partir do ressurgimento de uma potente crítica do sistema e do renascimento da atividade das pessoas, de sua participação na coisa comum.
Sobre a formação do cidadão generalista e do cidadão especialista para exercer a política, explica: “A política não é um assunto de especialistas. Não há ciência da política.” (p.40) Portanto, complementa afirmando que são necessários técnicos que dêem assessoria aos políticos, mas que estejam a favor do povo e não compactuando com os políticos. E as pessoas aprendendo a governar, governando.
Completando esta ideia, enfatiza que as pessoas precisam ser educadas na coisa pública, que as escolas precisam ensinar as coisas públicas como as leis, e acrescenta: “seria preciso ensinar uma verdadeira anatomia da sociedade contemporânea: como ela é, de que modo funciona. (p. 44)
            Quando perguntado sobre junto de quem e contra quem lutaria, Castoríadis responde que lutaria junto a todo mundo e contra o sistema. Afirma que a sociedade capitalista hoje é uma sociedade que corre para o abismo, porque é uma sociedade que não sabe autolimitar-se. E conclui falando sobre liberdade citando Tucídides: É preciso escolher: ou descansar ou ser livre. E complementa: “liberdade é atividade, e a atividade que sabe colocar seus próprios limites.” (p.54).



quarta-feira, 2 de abril de 2014

O Mundo da Pseudoconcreticidade e sua Destruição

Karel Kosik foi um militante e filósofo marxista de origem tcheca. Uma das suas principais e notáveis obras é o livro Dialética do Concreto, publicado em 1963 que lhe valeu reputação internacional como um dos mais importantes filósofos do marxismo humanista, obra da qual fora extraído o texto que passamos a sintetizar.
O mundo da pseudoconcreticidade diz respeito a existência autônoma dos produtos do homem e a redução destes ao nível da práxis utilitária.
De acordo com o autor, a atitude primordial do homem sobre os fatos, coisas e situações não é a de um sujeito cognoscente, ou seja, daquele que toma conhecimento e examina a realidade para depois inferir uma ideia, mas de um ser prático agindo sobre a realidade de forma objetiva a partir de seus interesses imediatos.
Desta forma, “o indivíduo cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções  que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade”, (p.10) distanciando-se da essência, da compreensão das coisas e da realidade. O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas de modo inadequado, parcial ou apenas sob certos ângulos e aspectos.
Ao mundo da peseuconcreticidade pertencem: o mundo dos fenômenos externos, que se desenvolve a parte dos processos essenciais, o mundo das coisas fetichizadas; o mundo das representações comuns e o mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de serem coisas naturais.
O mundo que é apresentado ao homem não é o mundo real, é o mundo das aparências embora esse mundo tenha fundamento e seja considerado como real. Para perceber a estrutura das coisas ou a “coisa em si” é necessário um esforço e um desvio e para isso é necessário que o homem, já antes e iniciar qualquer investigação, tenha consciência  do fato de que existe algo suscetível de ser definido como estrutura da coisa e de que existe uma oculta verdade da coisa.
O processo dialético emerge como condição de desreificar os fatos e fenômenos. A coisa. Como a essência não se manifesta diretamente, deve ser descoberta mediante uma atividade peculiar, aí entrando o trabalho da ciência e da filosofia.
O conhecimento é a própria dialética em uma das suas formas, é a decomposição do todo, sem a qual não há conhecimento. Assim, o pensamento que destrói a pseudoconcreticidade é um processo do qual “sob o mundo da aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência externa se desvenda a lei do fenômeno; por trás do movimento visível, o movimento real interno; por trás do fenômeno, a essência.” (p. 16)
A realidade- muito bem destacada pelo autor- oculta pela pseudoconcreticidade, é o mundo da práxis humana. É a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e produto, de sujeito e objeto, de gênese e estrutura. O mundo real não é portanto, um mundo de objetos “reais” fixados. É um processo de curso no qual a humanidade e o indivíduo realizam a própria verdade, é um mundo em que a verdade não é dada e predestinada, não está pronta e acabada. “A destruição da pseudoconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para sempre, mas que ela se faz; logo se desenvolve e se realiza". (p. 19)


terça-feira, 1 de abril de 2014

Diferenças, Aprendências e Resistências em Tempo de Escola para Todos

Diferenças, Aprendências e Resistências em Tempo de Escola para Todos

Pensar em inclusão passa por pensar em uma série de atravessamentos e compreensões que vamos construindo nas relações sociais que estabelecemos. Avaliar como pensam os professores e percebem a diferença em sala de aula parece ser análise relevante para o melhor entendimento de questões como aprendizagem e desenvolvimento de sujeitos que necessitam da interação sem que lhe sejam negadas suas especificidades. Perceber que existem diferentes maneiras de olhar a diferença pode explicar porque para um mesmo sujeito podem-se entrever possibilidades ou dificuldades.
 A sociedade, e a escola como produção desta, definiram ao longo do tempo padrões, normalizações, lugares e posições que embora pareçam produções naturais são criações sociais que definem  e subjetivam o outro. Temos aí, os que aprendem e os que não aprendem, os que possuem condições de, e os que não acompanham, os inteligentes e os fracassados, os que avançam e os repetentes, os destaques e as escórias.
Uma escola competente é a que forma indivíduos competentes. Competência lida aqui como a capacidade de se sobressair, de competir, de formação do indivíduo cientificamente preparado dotado de habilidades cognitivas que permitam o acesso aos bens produzidos  e de capacidade de construir inteligentemente meios de sobrevivência. Desvaloriza-se e menospreza-se,  na maioria das vezes, habilidades outras que não estas. A cognição como capacidade que encontra-se no topo da pirâmide educacional, estando todas as demais habilidades numa escala inferior.
O sentido que se dá, assim para competência  é também  uma invenção social, enredada em fortes relações de poder definida por um eu superior, "normal", impositivo.
Quando o professor se refere ao aluno dizendo "ele nao aprende", pode estar dizendo: ele não aprende o que lhe estou ensinando, da forma como eu estou lhe ensinando e no tempo que estou determinando, o que não é por si só, condição para o fracasso.
Esvaviar-se dessa construção negativa dos sujeitos em situação de aprendizagem, é entender que o discurso da não aprendência é um discurso inócuo, vazio, acientífico e que revertê-lo pressupõe desnaturalizar verdades, rever conceitos e buscar alternativas de (im)permanência dos modos de ser e estar em sala de aula,  "é pensar que os diferentes aprendem de uma forma peculiar e que mais do que diagnósticos precisamos problematizar e negociar outras representações para estes sujeitos. Representações que nos permitam pensar e ver como legítimas outras formas de ensinar e aprender indicadas pelos próprios sujeitos, forjadas nas relações com esses grupos culturais" [Fabris e Lopes, 2000].
Nesse sentido, a diferença precisa ser lida não como oposto de igualdade. O que é diferente, não é pois aquilo que não é igual, mas aquilo que não busca a homogenização no mesmo, mas quer manter e ver reconhecidas suas especificidades. Não é algo a ser eliminado, completado, ou corrigido. Não sao, os diferentes, sujeitos que devam apenas serem respeitados ou tolerados, uma vez que  são estes, princípios fundamentais à todo ser humano.
O próprio termo inclusão remete a algo que estaria fora. Não se nega aqui, a existência desse fato, o que se propõe é a problematização de questões para as quais não existem embates. O problema da diferença não está posto no seu âmago, uma vez que sendo todos diferentes, é um signo da humanidade, mas reside na construção social e na compreensão desta enquanto falta, incompletude, algo a ser tolerado. O diferente traz em si, aquilo que eu igual não desejo, e que como tal precisa ser corrigido, modificado, normalizado para que este possa, como eu,  estar dentro, fazer parte. 
Para normalizar é preciso portanto, reforçar no aluno aquilo que lhe falta, trabalhar conceitos e habilidades que este ainda não alcança, recuperar. Ou quando isto não acontece, repetir, até que este consiga um mínimo necessário ou quando, percebendo-se que não atingirá o esperado, empurrá-lo para a série seguinte. Assim perpetua-se na escola espaços de não aprendizagem para os diferentes e reforça-se o estigma de fracassado que passa a fazer parte da identidade desses alunos.
Não se trata aqui de negar os déficits cognitivos. Eles existem. Não se trata também de induzir ao abandono intelectual aqueles que, por algum motivo não apresentam condições de aprendizagem da forma como acontece com a maioria dos alunos que recebemos em nossas escolas. Trata-se sim, da não generalização do termo deficiência. Ninguém é deficiente em tudo e todas as deficiências são singulares. É necessário, pois abrir espaços e apresentar possibilidades de avanço, buscando formas alternativas que não estejam vinculadas a um padrão. Trabalhar os sujeitos como seres únicos e aprendentes em potencial, desde que sejam reduzidas as ações de enquadramento e dadas as condições devidas para a aprendizagem, ultrapassando como nos diz Paulo Freire, a consciência ingênua que faz do nosso fazer pedagógico um ato descompromissado, sem reflexão, sem crítica, atrelado à permanência e à tradição.

Bibliografia:
LOPES, Maura Corcini; DAL'IGNA, Maria Claudia (org.) In/Exclusão: Nas Tramas da Escola. Editora ULBRA, Canoas, 2007

domingo, 29 de setembro de 2013

Avaliação da Aprendizagem na Escola

Algumas ideias sobre avaliação da aprendizagem em conversa com os professores da Escola de Educação Básica Francisco de Campos.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Ciências Sociais, Violência Epistêmica e a Invenção do Outro



A leitura original  a qual precede a esta postagem  encontra-se disponível no link abaixo. Trata-se de uma reflexão do filósofo colombiano Santiago Castro Gómez acerca da construção de identidades na modernidade e na pós modernidade.

Fiz um link desta leitura com a de um post já publicado aqui, no qual trago uma reflexão sobre histórias únicas, estereótipos e outros enquadramentos, análise feita a partir do vídeo que trata da leitura da escritora nigeriana Chimamanda Adichie sobre histórias únicas que lhe foram contadas e de como isso pode interferir na formação de povos, culturas e sujeitos, dificultando a comunicação intercultural.
Texto e vídeo, nesta entrada:

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Curso Salto para o Futuro - Atendimento Educacional Especializado

Nos dias 06 e 07 de novembro, a convite da querida Maristela Zuquelo, coordenadora do Programa Salto para o Futuro,  participei de uma das etapas de formação sobre o Atendimento Educacional Especializado. Dentre as falas, abordei sobre o funcionamento, a caracterização, os objetivos, a fundamentação legal e teórica e as estratégias de intervenção para os alunos matriculados no Serviço de Atendimento Educacional Especializado - SAEDE realizado na Apae de Curitibanos. 
        O Serviço de Atendimento Educacional Especializado tem por objetivo qualificar a estrutura do pensamento do educando para o desenvolvimento dos  processos mentais superiores, através de metodologias, estratégias e recursos pedagógicos, que possibilitem a apropriação do conhecimento científico. Dentre as questões trabalhadas estão às relacionadas à: autonomia, diferentes formas de linguagem, concentração, atenção, memória, organização, análise e síntese, classificação, comparação, orientação espacial e temporal, resolução de problemas e textualidade.
     Dentre as estratégias sugeridas destacamos o trabalho com blocos lógicos, jogos psicopedagógicos  e mapas conceituais.