domingo, 17 de fevereiro de 2008

Autores ou Espectadores?

Já dizia Manuel Bandeira, em Poética, in Libertinagem.

"Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público
com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis.


(...)

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


Presenciei há pouco tempo uma discussão sobre a questão da subjetividade nos textos. Uns contra, outros a favor... O fato é que para mim ( e aí já fica clara minha posição) isto é uma necessidade.

O que parece é que em nome do rigor científico, muitos deixam de escrever sobre o que pensam. Deixa-se de lado o pessoal e opta-se pela escrita em terreno firme, pelos impessoais "constata-se", "observa-se", "conclui-se", pela universalização do pensamento, por aquilo que supostamente ninguém contestará porque nunca saber-se-á ao certo quem foi que disse.

Assim como disse Rubem Alves ( perdoem-me as referências pouco ecléticas) ..."desaparece a pessoa de carne e osso que realmente viu, pensou e escreveu, e no seu lugar entra um espírito universal...E estou propondo que a gente tome consciência dele e o exorcize por meio do riso. E que recuperemos a coragem de falar na primeira pessoa, dizendo com honestidade o que vimos, ouvimos e pensamos. Escrever biograficamente, sem vergonha."

E ainda, nas palavras de Nietzsche (apud Rubem Alves) " De tudo o que está escrito, eu amo somente aquilo que o homem escreveu com o seu próprio sangue. Escreve com sangue e experimentarás que sangue é espírito".

Quando escrevemos algo sobre o que pensamos, acreditamos...enfim, sobre as nossas leituras de mundo, fazemos um exercício que não é puramente de escrita, é de estímulo ao pensamento, de estímulo à novas e constantes reflexões.

Se nesse momento, por exemplo, fosse submetida à um exame de ressonância magnética funcional que fotografasse as sinapses do meu cérebro e o pensamento sendo formado veríamos
que esse simples exercício de escrita, não é assim tão simples, milhões de conexões estariam se formando a partir das relações, das generalizações, da análise, da síntese, das comparações, enfim... das várias outras funções psicológicas que estariam ativas nesse momento.

É necessário correr o risco para se descobrir o prazer da autoria. Sim, da autoria, porque creio que a falta desse exercício gera desmotivação e insatisfação nos seres humanos. Digo risco, porque a escrita de autoria está sujeita à crítica, e aí eu sugiro que se faça a crítica da crítica que agrega valor gerando riqueza de idéias e novas possibilidades de reflexão, já que a autoria é um processo aberto, que nunca chega a um ponto de finalização concreto, pois a cada retomada surgem modificações, na tentativa de sempre melhorar o sentido do que está exposto. Não me refiro aqui à autoria que remete ao nome ou ao poder daquele que escreve, mas de um exercício essencialmente de natureza humana: a capacidade intensional inventiva e criativa.
E a escola, tem educado para a autoria ou tem gerado alunos que se limitam à capacidade de reproduzir?

Vejo que duas fases na trajetória escolar estimulam de forma significativa a autoria: a educação infantil e o doutorado, por razões por todos conhecidas; a educação infantil, por ser a criança desta idade naturalmente curiosa, criativa e espontânea, despreocupada com modelos, estereótipos ou com a rejeição ao seu pensamento, e o doutorado, pela exigência da profundidade do conhecimento.

O papel do professor é também incentivar o aluno exercitar o poder da autoridade. Não prender-se à fórmulas e pré-conceitos estabelecidos. Romper o tradicional, estimular a consciência criadora... “O lirismo dos bêbados”.

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