Depois de um tempo afastada organizando a vida, retomo as postagens desse blog com uma matéria apresentada no site International Business Time, sobre a polêmica gerada no lançamento do filme Ensaios sobre a Cegueira, baseado na obra de José Saramago. Estou ainda lendo o livro e o filme ainda não tive a oportunidade de ver.
Lendo a matéria fiquei pensando que as raízes do preconceito são tão profundas e tão profundamente imbrincadas na nossa forma de conceber e conceitualizar as coisas e o mundo que é muito comum as pessoas muitas vezes nem se darem conta que as pré concebem segundo uma visão distorcida da realidade com base em inferências e idéias cristalizadas em nosso imaginário. Acredito que isso acontece diariamente e que as pessoas passam a entender essas formas de pensamento como algo naturalmente concebido.
Estereótipos são muito utilizados para definir uma "minoria", uma forma que a "maioria" opressora encontrou de definir quem não se enquadra ou não se normaliza. Assim os estereótipos surgem como resultantes desse processo de criação de identidades sociais demarcando imaginariamente quem está dentro e quem está fora, quem pertence e quem não pertence, quem somos nós e quem são eles.
São bastante comuns por exemplo caracterizações como a de que todo síndrome de down é amoroso, todo surdo é agressivo, toda mulher deve ser boa dona de casa, homem que é homem não chora, gordinho é sempre simpático ou preguiçoso... Tais generalizações representam o senso comum, são idéias prontas que tranformam-se em verdades definitivas compartilhadas por grande parcela da população e que como motivadores de preconceito e discriminação devem ser abolidos.
Segue a matéria:
O longa do brasileiro Fernando Meirelles, "Ensaio sobre a Cegueira" continua a criar polêmica. O presidente da Federação Nacional de Cegos norte-americanos (NFB) Marc Maurer, disse que o filme reforça estereótipos incorretos sobre os portadores de deficiência visual.
Nesse contexto o NFB está a preparar um mega protesto contra o longa do brasileiro, que segundo Maurer, será o maior protesto nos 68 anos de história da NFB. As manifestações terão lugar nas salas de cinema de pelo menos 21 estados norte-americanos e foram marcadas para o dia de estréia do longa - o próximo dia 3.
A ideia dos protestos surgiu depois que sete pessoas ligadas à NFB, três delas invisuais, foram a uma sessão especial em Baltimore, na semana passada. Segundo o porta-voz da Federação, Christopher Danielsen, "todos ficaram ofendidos".
Segundo Marc Maurer, o filme retrata os cegos "como monstros". Para este dirigente associativo esta não é uma alegoria sensata para retratar o colapso da sociedade.
"Nós enfrentamos uma taxa de 70% de desemprego e outros problemas sociais porque as pessoas acham que não podemos fazer nada. E o filme não ajuda a melhorar a situação", frisa o porta-voz da NFB.
Na história, uma epidemia misteriosa provoca a cegueira nos habitantes de uma cidade sem nome, que apenas conseguem distinguir uma névoa. As vítimas são obrigadas a estar de quarentena. A actriz Juliane Moore, que faz de mulher do oftalmologista, é a única a não perder a visão, mas finge estar cega para ficar ao lado do marido.
A ideia dos protestos surgiu depois que sete pessoas ligadas à NFB, três delas invisuais, foram a uma sessão especial em Baltimore, na semana passada. Segundo o porta-voz da Federação, Christopher Danielsen, "todos ficaram ofendidos".
Segundo Marc Maurer, o filme retrata os cegos "como monstros". Para este dirigente associativo esta não é uma alegoria sensata para retratar o colapso da sociedade.
"Nós enfrentamos uma taxa de 70% de desemprego e outros problemas sociais porque as pessoas acham que não podemos fazer nada. E o filme não ajuda a melhorar a situação", frisa o porta-voz da NFB.
Na história, uma epidemia misteriosa provoca a cegueira nos habitantes de uma cidade sem nome, que apenas conseguem distinguir uma névoa. As vítimas são obrigadas a estar de quarentena. A actriz Juliane Moore, que faz de mulher do oftalmologista, é a única a não perder a visão, mas finge estar cega para ficar ao lado do marido.
3 comentários:
Oi, Elisangela!
Concordo com você quando se refere às ideias pré-concebidas sobre determinado estereótipo, mas discordo quanto à matéria em questão.
O autor não quis, em momento algum, passar a imagem de que "todo" cego é uma pessoa incapaz ou má. E, sim, quis propor uma reflexão sobre o comportamento humano numa situação em que está privado de um dos principais sentidos: a visão.
A ideia é que cada leitor ou espectador se pergunte do que seria capaz de fazer se soubesse que ninguém pode vê-lo comentendo infrações. O que faríamos se tivéssemos a certeza da impunidade? O livro descreve cenas em que o ser humano deixa de lado todas as regras da sociedade em prol da sobrevivência. Entre os cegos em quarentena, alguns querem tirar vantagem sobre outros e isso acontece a todo momento em nossa sociedade, cegos ou não. Acho que a NFB está fazendo muito barulho à toa. Seguindo essa linha de raciocínio, quantos protestos haveriam contra livros e filmes onde negros e latinos são bandidos, políticos são corruptos, etc.
Gostei bastante do seu espaço.
Forte abraço
Oi Max. Grata pela visita e comentário.
Quanto ao post, ele nao retrata a minha opinião acerca da notícia. Como disse, quando escrevi eu nao tinha, ainda, visto o filme. (O post foi escrito logo após o lançamento do filme em 2008).
Enquanto te lia, lembrei de uma cena da novela Viver a Vida em que a personagem Helena, representada por Thais Araujo é humilhada pela ex mulher de seu atual marido. Recordo que na época houve uma manifestação em massa em repúdio à cena, por conta de que se considerava que estava reforçando atitudes preconceituosas e discriminatórias, embora, sendo uma moça negra, tivesse conquistado o papel de protagonista, sendo em praticamente toda a trama valorizada como profissional,como pessoa, enfim... bastou um episódio, pra que toda uma movimentação, inclusive protestos de segmentos do movimento negro organizado acontecessem.
O que quero dizer com isso?
Uma cena que envolvesse uma pessoa branca que tivesse sofrido humilhação semelhante, não teria tomado a mesma proporção e repercutido da forma como repercutiu neste caso. Isso porque pra quem a história reservou séculos de preconceito e silenciamento (e insiro aqui, as pessoas com deficiência) o que se espera da mídia é que explore e mobilize ações em favor destes grupos marginalizados.
Como você, eu acredito, que tanto neste caso como no caso de Ensaios sobre a Cegueira, não houve, de forma alguma, intenção de reforçar estereótipos ou preconceitos, mas tendo em vista tratar-se, como disse, de grupos marginailizados há uma “sede coletiva” e o que todos esperavam é que estas questões servissem de mote para discurtir temas considerados de relevância para a sociedade atual, combater o preconceito, enfim...
Narrativas que envolvem estes grupos podem sim retratar a vida como ela é, mas é preciso um certo cuidado, para não levar ao grande público, imagens que de certa forma possam ser lidas como reforço das situações de marginalidade.
Um grande abraço, e seja bem vindo, sempre.
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