Eu o vi crescer...franzino, de poucas palavras. Chegar à escola tímido, cabisbaixo, desconfiado -como boa parte dos alunos inicia - embora seus olhos cor de jabuticaba declarassem desde muito cedo toda sua esperteza.
Seu comportamento hoje chamou-me atenção. Peço para a turma aguardar um momento, estou ocupada com uma visita. Entre uma conversa e outra espio seu jeito. Concentradíssimo em frente ao computador ele olha, mexe, fuça, entra numa pasta, noutra...Eu indago:
_O que queres? Ele:
_ Aquele jogo que você me deu outro dia! Aquele!
Respondo que não está instalado naquele computador e peço que aguarde.
A conversa se estende, percebo sua inquietação. Ele levanta, troca de micro, ocupando um que ora está vago. Novamente, peço que se sente e aquiete.
Entreto-me com a conversa, esqueço-o por alguns instantes. A visita vai embora, retomo a aula dando as coordenadas para a próxima atividade. Paro, olho para ele que continua concentrado. Na tela, o jogo e ele pra lá e prá cá acompanhando com o corpo o movimento do carrinho. Lembro do jogo e do caminho que percorrera para executá-lo. Pastas dentro de pastas e várias etapas para finalmente fazê-lo funcionar. Não precisaram mais que duas ou três vezes me vendo fazer para que fizesse sozinho. Me espanto, deveria repreendê-lo, chamar sua atenção diante de sua desobediência, mas não consigo.
Em vez disso sorrio em pensamento, disfarçando a alegria que senti em vê-lo desobedecer-me.
Me orgulho, lembro-me de alguns dos primeiros objetivos do meu planejamento anual. Estão lá: desenvolver a autonomia, a iniciativa , capacidade de tomar decisões e de solucionar problemas, a intuição e a capacidade de formular hipóteses. Deixo passar... seu empenho e sua capacidade de superação estão acima da minha necessidade de manter o domínio e o controle sobre ele.
São deficientes...dEficientes. O que seriam se não fossem? Superdotados?
Como me surpreendem e como é bom ser surpreendida! Muitas vezes eu própria duvido! Chego a pensar que não há jeito, menosprezo suas capacidades... Algumas vezes, mais rápido do que esperava, aquela criança que passava o dia embaixo da mesa, escondido, como um animal acuado, de repente me olha e pergunta: O que vamos fazer hoje, professora?
Um misto de alegria, satisfação e orgulho tomam conta de mim. Bate o sinal, outra turma, outras histórias...Tantos Rudis, Denilsons, Ramons, Zés, Carlinhos... quantos Georges ainda desejo encontrar!